8- o mesmo de sempre

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𝐽𝐴𝐾𝐸
Algumas horas antes.

Minha mãe recebeu alta e estamos todos muito felizes em tê-la de volta em casa. Meu pai chorou quando a viu, assim como meus irmãos,
que soluçaram as lágrimas ao vê-lá finalmente em casa.

Almoçamos juntos e me lembro de minha infância, antes de tudo dar errado,
quando comíamos todos juntos e contávamos piadas na mesa.

Meu quarto parece o mesmo quando entro para deixar minhas malas sob a cama.

As paredes azuis com pôsteres de futebol e jogos, a cabeceira com meu fone de ouvido, a escrivaninha com cadernos estampados... tudo parece estranhamente o mesmo.

Passamos a tarde conversando e rindo das memórias boas, que foram poucas. Fiquei enjoado algumas vezes, como podem rir e falar de momentos raros e fingir que eles aconteceram tantas vezes?

Á noite, quando todos estavam assistindo os bons e velhos jogos de hockey, me levantei para ir buscar algumas coisas que esqueci no carro e me deparei com a imagem que menos esperava ver.

Minha mãe voltando aos seus hábitos.

Não pode ser. Não pode.

Depois de pegar as coisas me dirijo ao andar de cima suspirando e com a mente explodindo, antes de entrar em meu quarto olho pela fresta o quarto de minha mãe. A encontro desmaiada pelo chão. Não me dou ao trabalho de ir ajudá-la, aliás, ela não quer ser ajudada. Pelo menos é o que parece.

Porra, não é possível que assim que a tiramos daquele lugar ela volta a fazer tudo que não poderia fazer.

Pego meu celular e procuro por Selina. A única pessoa que posso falar. Que preciso falar.

Deixo inúmeros recados e me pergunto o que ela pode estar fazendo agora enquanto meu mundo volta a desmoronar.

Desisto de tentar ligar. Só quero espairecer a cabeça, só preciso disso.

Desço as escadas e entro no carro de meu irmão, que está estacionado na frente de casa. Ligo o aquecedor e fico pensando pra onde ir.

Não tem pra onde ir, não tem pra onde correr. Não conheço essas ruas, não conheço as coisas por aqui, não faço ideia do que fazer.

Posso ficar aqui sentado no carro e ficar olhando pro nada e pensando em como as coisas sempre vão ladeira a baixo comigo ou poderia afogar as merdas em bebida.

Mas gosto de pensar que evolui... que deixei de ser o babaca que era mas quem quero enganar?

Continuo o mesmo fodido de sempre.

A iluminação escura das ruas e os flocos brancos de neve fazem um contraste bonito e fico os olhando durante os faróis vermelhos.

As ruas cobertas de neve ficam ainda mais difíceis de dirigir sob.

Dirijo até o que acho que seria um barzinho e ao entrar torço o nariz com o cheiro forte de bebida que invade meus sentidos.

Sento em um banquinho entre homens grandes e barbudos e peço uma bebida pra mim.

Não importa qual bebida, eu não ligo, só preciso que eu pare de sentir essa sensação de fracasso que carrego.

Talvez as coisas dão errado comigo por que não mereço felicidade alguma.

Pego o frasco e o viro por completo, deixando ele me queimar por dentro.

Larguei Selina em momentos em que ela precisava de mim, fiz coisas (ou deixei que parecesse que fiz) por ser egoísta, vazio e escuro por dentro, eu sei disso. E uso essa desculpa pra tudo mas é a verdade. Me afasto das pessoas, faço merda pra me afastar delas porque acho que elas não devem me ter por perto.

Mas quando Selina chegou e continuou do meu lado independente das merdas que fizesse e escondia... foi quando tudo mudou.

Viro mais um copinho.

Nunca tive alguém em minha vida que fosse frequente.

Sim, continuo o de sempre, mas acho que melhorei pra pelo menos saber que preciso deixar Selina ir embora. Ela precisa ir, ela não pode ficar. Sinto falta dela e preciso dela pra tudo, ela me salvou de tantas coisas... mas ela precisa ir.

Ela é a pessoa mais bondosa, compressiva, engraçada, bobinha até, inteligente, bonita (por dentro e por fora), com uma luz e um sorriso que contagia todos e bem, ela precisa ter alguém ao lado dela que a mereça de verdade.

E eu não sou essa pessoa.

Tomo mais um frasco.

Deixo o líquido quente queimar toda a minha garganta, como se fosse a dor passando por todo meu corpo. Fico olhando para as paredes, pensando no que preciso fazer daqui em diante.

Selina merece pelo menos uma explicação, poderia sumir sem falar nada mas ela merece o mínimo. Merece um pedido de desculpas, por tudo que a fiz passar, e por ter entrado na vida dela.

Meu cérebro me lembra.

Depois da ultima virada me levanto, deixo o dinheiro das bebidas e me dirijo ao carro.

Piso no freio e dirijo até onde sei, o que é pouco, sigo as placas de direção e quando percebo estou dirigindo muito mais do que as placas indicam. Sigo o sangue ferver dentro de mim e lágrimas escorrem pelo meu rosto.

Sou egoísta demais, porra como sou, aliás sou muito mais que isso, mas quero mudar por ela.

Ela é o meu beija-flor no final de tudo.

Selina.

Ela. Aparece em meio a estrada, seu rosto, rindo, seus olhos verdes brilhantes.

Não enxergo direito, vejo tudo embaçado, sinto o volante girar em minhas mãos mas não consigo fazer nada.

Merda, por que não consigo fazer nada?! O carro vai atingir ela!

Faço tanta força pra girar o volante que minhas juntas ficam brancas.

Depois só ouço o barulho do carro batendo em algo. Forte.

Outro momentoOnde histórias criam vida. Descubra agora