5- tentar de verdade

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𝐽𝐴𝐾𝐸
Dezembro.

O mês começou há apenas uma semana e o tempo parece uma eternidade.

Meu tio voltou pra Londres e vim junto, se esses são os últimos meses de minha mãe... não conseguiria me perdoar em não vê-la antes de seu fim.

Voltar pra minha casa de infância, onde vi de pratos há móveis serem quebrados em meio às noites de bebida de meus pais, não foi a melhor sensação que senti, mas pelo menos tive a oportunidade de rever aqueles que deixei de ver há cinco anos.

Meu pai me olhou de cima a baixo e abaixou a guarda, me dando um abraço apertado com batidas nas costas, meus irmãos me receberam com sorrisos confortantes e minha mãe... bom, vou vê-la hoje, agora.

Esperamos um bom tempo na recepção, enquanto não éramos chamados para enfim poder vê-la prestei atenção em cada pessoa no ambiente. Em cada filho, mãe, pai, primo, vizinho... parentes das pessoas que estavam na mesma situação de minha mãe, ou pior, ou melhor até, nunca se sabe.

Uma menina de cabelo escuro chama a minha atenção quando começa a gritar com os médicos aos prantos, dizendo que eles mataram seu pai dando tantos remédios e tido feito-o ficado louco. As lágrimas não param de escorrer de seu rosto e de longe consigo ver a cor de seus olhos verdes que ressaltam pelo vermelhão ao redor da íris. Ela é jovem demais, e aparenta estar sozinha, sem ninguém para dividir a dor, sem uma âncora, sem uma sequer pessoa para a oferecer o ombro.

Já me senti assim, sinto, muitas vezes.

A garota puxa as mangas e enxuga as lágrimas, me levanto para tentar ajudá-la mas é tarde demais por que assim que me levanto o meu nome e de meu tio é chamado por uma enfermeira.

Quando a menina se vira, de costas parece a minha garota, a garota que vive em minha mente diariamente.

Por um lado, talvez, meu cérebro tenha tido esse sentimento de proteção e ajuda por a menina lembrar Selina, e nunca... puta que pariu, nunca gostaria de a ver assim.

Mesmo que talvez já tenha feito isso.

Carrego esse fardo em minhas costas todos os dias.

O caminho pelo corredor até o quarto de minha mãe parece infinito e a cada passo que dou meu corpo parece ficar ainda mais pesado. Acho que tenho medo do que possa ver, de ver seu estado e lembrar de quando ainda era uma mulher sã.

Porra, isso vai ser difícil pra cacete.

Ao entrar no quarto respiro fundo antes de me sentar ao lado de minha mãe.

Depois de cinco anos acreditei que ela iria progredir e ser uma mulher feliz, era o que eu rezava pra que acontecesse, mas bem, ela está aqui, virou uma mulher vazia que está em uma reabilitação.

Pego em sua mão e puxo para beijar, ela reconhece o gesto de minha infância e enfim levanta os olhos para me ver.

Achei que não iria me reconhecer, mas é de Diana Matthes que estamos falando, essa mulher não esquece das coisas.

Eu me aproximo para um abraço e enterro meu rosto em seus ombros, seu peito e ombros sobem e descem enquanto sinto minha camiseta ficar molhada por suas lágrimas.
Respiro fundo e a aperto ainda mais, segurando as lágrimas.

Pra quem tem apenas meses de vida ela aparenta estar bem, apesar das olheiras pesadas, os olhos vermelhos e estar extremamente magra.

Como alguém pode chegar em um ponto de praticamente se matar por um vício?!

Diana seca as lágrimas e quando se balança, em forma de se recompor, sua fragrância doce de antes é agora um cheiro pesado de droga e cigarro. O cheiro que infelizmente virou familiar.

"Desculpe, faz tanto tempo que não te vejo, querido!"- ela diz com dificuldade, tossindo como louca arregala os olhos ao finalmente avistar meu tio.

"Olá irmão."- minha mãe diz em tom doce e Jack se aproxima para dar um abraço, que parece durar horas.

Quando enfim se soltam o quarto branco é preenchido por um silêncio, não diria constrangedor, e sim diria que ninguém sabe o que dizer sendo que uma pessoa está morrendo.

Minha mãe era como o Sol, uma mulher que brilhava entre todos, tinha um sorriso branco que alegrava o ambiente, os cabelos loiros e curtos realçavam seus grandes olhos azuis. Eu tinha sete anos quando ela descobriu a traição de uma noite de meu pai, que resultou em brigas sem fins porém que nunca resultaram em divórcio. Acredito que eram medrosos demais pra chegarem naquele ponto.

Mas não medrosos pra ficarem viciados em bebidas. Acho que esse caminho é mais fácil.

"Então... os médicos disseram que tenho uns dois meses, se me cuidar e parar com as baboseiras."- Diana finalmente quebra o silêncio.

Meu tio e eu nos entreolhamos.

"E você quer durar mais? Está cuidando pra que isso aconteça?!"- a pergunto pigarreando.

Ela para pra pensar por um segundo e suspira antes de continuar.

"Quero."- ela prende os lábios, começando a chorar-"queria durar até meus oitenta anos, ver todos os meus filhos criarem suas vidas... mas acho que é tarde demais."

"Nunca é tarde demais, Di."- meu tio fala com certa dificuldade após ter ouvido o que sua própria irmã disse.

Queria que ela fosse pra sempre, talvez seria tempo suficiente pra voltar a ser a mãe incrível que era.

"Se você se cuidar pode ser que vença o vício, mãe."- digo e a mesma leva um susto ao ouvir a palavra 'mãe' sair de minha boca.

Ela sorri. Seus dentes, agora, são amarelos.

"Acredito que não, filho. Sua mãe já tentou e nunca conseguiu, por isso estou aqui."-ela balança a cabeça em negação.

"Se tentar de verdade, talvez consiga!"- tento obter solução.

"Conseguindo ou não, vamos te tirar daqui."- meu tio começa e tenho um sobressalto-"não pode passar seus últimos meses aqui."-Jack termina confiante.

Outro momentoOnde histórias criam vida. Descubra agora