Capítulo 1 - A queda

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O céu estava claro, algumas nuvens acompanhavam aquele espaço branco e nublado, chuvas eram frequentes naquela cidade litorânea, principalmente na praia, mas nesse momento não. O ar não era o mesmo, a brisa parecia sussurrar preces e o mar estava mais agitado que o normal, em instantes um único raio rasga o céu e encosta na água, quem poderia imaginar que aquela linha lilás que clareou o crepúsculo escuro cairia junto com uma mulher.

Seu corpo se mistura com as ondas do mar e afunda entre pequenas bolhas brilhantes, sua pele nua sente a água gelada e os cabelos soltos dançam ao passo que a luz da superfície vai sumindo. A mulher abre os olhos opacos para visualizar a escuridão na qual se encontrava, havia apenas um caminho para ela, mas por um momento desejou se permitir vagar imersa por aquelas águas.

Ela sabia que enquanto estivesse ali não poderia sentir nada, estava inibida de toda a dor, porém algo em seu peito, um ímpeto misterioso, sussurrava em seus ouvidos:

– Para cima – a voz sussurra suavemente, ela não soava como uma ordem, bem ao contrário, era como um conselho.

Sem saber bem o porquê, a garota impulsiona as pernas e os braços para cima, emergindo lentamente na superfície, quando puxa ar para os pulmões é como se alfinetes o espetassem. Ela se move vagarosamente até a praia, as ondas parecem acaricia-la e até ajuda-la a andar, suas pernas finas tropeçam na areia escorregadia que se desmancha debaixo de seus pés. Seus membros vacilam de repente e ela tem de se arrastar até sair completamente do mar, sua mão aperta a areia húmida que gruda na sua pele macia.

Nunca se sentira tão exausta daquela forma, tão fraca e impotente tendo de cobrir sua nudez com os grãos de areia. Ora se humilhação fosse à única coisa que sentisse... mas a fome, o frio a fraqueza, eram piores; para ela que já esteve entre os mais fortes era tamanha demonstração de inferioridade humana, isso! Não passava de uma pobre alma presa em um corpo humano miserável.

Bem de vagar ela consegue sentar, seus olhos passam por todo o corpo estranho que ela habitava, não se acostumaria com aquilo tão rápido, porém o mais dolorido foi passar as mãos em suas costas e sentir a ausência de algo. Apenas uma cicatriz estava ali, ia do ombro e descia pelas suas costas, e é claro que a dor era grande, a dor de ter perdido uma parte importante de si e, portanto não ser mais a mesma.

A menina finalmente reúne coragem para se levantar do chão, apoiando as mãos nos joelhos para firmar as pernas, ela pergunta a si mesma se teria de aprender a andar novamente. Com um pouco de dificuldade ela começa a caminhar, passos lentos e confusos, mas em algum lugar ela chegaria, enquanto se move lentamente, seus braços cobrem o corpo gelado que estremece ao balançar da brisa fria matutina.

Ela atravessa um pequeno cerco que dá para uma longa estrada, era estranha a sensação de andar sem saber ao certo para onde ir. Não estava acostumada a fugir daquele jeito e seus conhecimentos sobre aquele mundo eram muito básicos, a única coisa que compreendia bem era o domínio que sabia possuir sobre os humanos.

A mulher continua a caminhar calmamente admirando os pinheiros que cobriam a estrada, seus pés criavam pequenas feridas por conta do asfalto, porém sua mente divagava tanto que era fácil ignorar a dor. Os dias que ficara caindo estavam todos embaralhados em sua mente, mal se lembra de como sucedeu sua fuga, e ali andando naquela estrada completamente nua sentia-se como uma desconhecida até para si mesma.

A garota para de andar ao ouvir alguns barulhos estranhos, ela aguça seus sentidos captando vibrações na estrada e no ar, ela segue aqueles sons entrando no bosque de pinheiros e ao atravessá-lo encontra uma grande rodovia. Para sua sorte estava pouco movimentada, ela aguarda a passagem de alguns veículos – que no seu imaginário pareciam ser carruagens – e atravessa a longa rodovia para enfim chegar a uma loja de conveniências.

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