03. "De poucas palavras"

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- Onde estou eu, afinal?

Tenho as bochechas a ferver com tanto nervosismo. Sou invadida por perguntas, mas ninguém mas quer responder. Fico inquieta quando estou à toa. Sou revestida por várias sensações. Medo, revolta, dúvida, vergonha. O homem coloca-se em frente a mim. Eu recuo. Dou um passo para trás e ele um passo para a frente. Torno a dar um passo para trás e ele torna a aproximar-se. Viro-me para trás e numa tentativa falhada ponho a mão no puxador da porta alta de madeira. Fechada.

- Querida, não consegues fugir. Não consegues fugir de mim, nunca mais.

Aperta-me contra ele de novo. Os olhos dele parecem ficar raiados de sangue e este murmura algumas coisas inaudíveis. Sorri, mas eu não via felicidade nem coisas boas naquele esboço. Leva-me até mais perto da secretária e puxa a cadeira, libertando a passagem para me sentar. Sem dizer qualquer palavra e apenas direccionando o olhar para a cadeira de pele, o homem segue caminho para a poltrona do lado de lá da mesa. Senta-se. Mantenho-me em pé, desobedecendo aquilo que este sujeito julga ser uma ordem.

- Senta-te. – Profere em tom brando, normal.

- Não.

- Não é uma ordem, Lola. – Continua, impassível. Como é que sabe o meu nome? Retraio-me, deixando-o sem resposta.

Não sinto um pingo de delicadeza por muito que a expressão corporal dele indique que não está ali para me fazer mal. Mas uma coisa que percebi no meu curto tempo de vida é que as aparências enganam muito. E eu não quero ser enganada. Baixo o rosto e fico a encarar o chão. O homem não diz nada. Pela minha cabeça passam hipóteses do que estarei aqui a fazer. Tento arranjar alguma, nem que seja a mais pequena. Não obtenho qualquer conclusão e isso deixa-me ainda mais frustrada.
Estou perdida, no meio de desconhecidos. Estou sem saída, em frente a um homem que não me quer deixar sair. Fui trazida aqui como se de um saco de batatas me tratasse. Quero a minha casa, quero a minha mãe ainda que ela não estivesse lá mas vê-la ia-me trazer conforto. Quero a minha vida, o meu canto. Quero sair daqui.

- Estimei que fosses uma menina bem comportada, Lola. – Murmurou. – Não desrespeites as minhas ordens.

Gelei. O tom de voz ia aumentar conforme a paciência ia acabando.

- Não estou aqui para brincadeiras. Não estou aqui para te fazer festinhas na cara. Se te portares mal... - Sorri maliciosamente e enquanto o faz sinto uma lágrima escorrer-me pelo rosto. - ... Se te portares mal vou ter de tratar de ti com as minhas próprias mãos.

O homem loiro e, agora, irritado segura o objecto de couro preto que outrora estava na secretária. Tinha-o nas suas mãos e ia passando o dedo indicador pelo bastão enquanto me olhava com uma expressão um tanto maquiavélica. Nojo. Medo.

- Não me interpretes mal, pequena Lola. – Levanta-se e coloca-se em frente a mim, com a lombar apoiada na mesa, o pé direito no chão e o esquerdo em cima da cadeira onde era suposto sentar-me. – Não quero de todo magoar-te. – Disse-me em baixo tom, levando a mão à minha face. Afasta-me uma madeixa de cabelo da cara e acaricia-me a bochecha com os seus dedos enormes. Recuei com a cabeça. Ele trincou os lábios mostrando-se descontente com o ato. – Sabes para o que é isto? – Ergue o bastão que tinha na mão.

- Não. – Respondo, ainda a olhar para baixo. Esta roupa está a deixar-me totalmente desconfortável. Pareço uma boneca, uma boneca estranha. Estou demasiado despida e eu detesto estar assim. – Faz equitação, senhor? – Interpelo logo em seguida.

A postura dele, embora um pouco informal, deixa-me intimidada pelo que decidi tratá-lo desta forma. Senhor. Sinto-me rendida à posição dele perante mim. Se ainda não entendi o que se está aqui a passar, e se mesmo assim não quero demonstrar todo o meu medo, tenho de colmatá-lo de alguma forma. Se o tratar com respeito pode ser que ele tenha um pouco de pena de mim.

- Eu adoraria fazer equitação um dia. - Disse-o com um sorriso tímido, antes que o homem consiga responder à pergunta anterior.

Arranjei uma forma, ainda que desajeitada, de introduzir um tema ao qual tenho uma certa curiosidade e gosto.
Um dos meus sonhos era fazer equitação. Sempre me quis envolver no mundo dos cavalos. Acho-os uns animais maravilhosos, mas infelizmente a minha mãe não tinha dinheiro suficiente para me agradar e me colocar na equitação. E sinceramente, por muito que ainda seja nova, cheguei a uma altura em que quis deixar de depender dela. Quis liberdade mas queria construir a minha.

As minhas bochechas coraram ainda mais ao ver aquele homem cobrir o meu corpo com o seu olhar a cada segundo que passava, enquanto se mantinha calado. Eu estava tão mal apresentada. Não sei quem me vestiu, mas esta saia que tenho deixa-me quase o rabo à mostra e isso é inapropriado para a minha idade. Melhor dizendo, isto é inapropriado para mim pois sei que muita gente com dezasseis anos, assim como eu, usa coisas deste género ou mais curtas. Porém não sou assim. Não gosto. Nem tão pouco me lembro de ter coisas deste estilo no meu guarda-fatos.
Sou mais reservada. Ou como costumam dizer "mais pudica". Julgo que metade das raparigas da minha idade já iniciaram a sua vida sexual, mas eu não. Não quero. Nem tão pouco sei nada sobre isso, nem me dou ao trabalho de explorar a minha sexualidade. Nem sei como se deverá fazer.

- Não. – Responde por fim, arrogante. - Eu não pratico equitação. Mas não te preocupes porque ainda vais montar muitos cavalos aqui. – Riu.

- Eu tenho de estar aqui? - Sussurrei. Ele passou aquele objecto desde o meu braço até à palma da mão fazendo com que todo o meu corpo se tornasse pele de galinha. - Senhor?

O homem assente com a cabeça enquanto molha os lábios com a língua. Deu novamente a volta pela secretária e foi sentar-se na poltrona. Apontou o bastão na minha direcção entregando-mo para as mãos. Ignorou também a minha pergunta com sucesso.

- Para mim? – Interpelo.

- Sim. - Disse impassível.

Tornou a ignorar-me desta vez por uns minutos longos, enquanto eu fixava cada ponto daquele escritório assustador. O rapaz loiro de olhos azuis e nome incógnito lia um arquivo qualquer com uma expressão muito séria. Em outras alturas eu iria rir daquilo porque acho sempre engraçado quando encaro pessoas sérias, se bem que há situações e situações e nesta todo um conjunto de coisas me leva a crer que estou completamente lixada e sem vontade de rir.

- Você não pratica equitação, mas tem isto aqui? – Ergo o bastão enquanto questiono. Afinal onde estou? Parece que a cada pergunta que faço e a cada resposta que obtenho este homem me vai mudando o rumo. Sempre que me parece descobrir a pólvora da questão, vem um novo detalhe e tudo fica diferente.

- Lola Martinez, dezasseis anos. Intitulada como muito "calma, de poucas palavras, não sabe nada sobre a vida e só se preocupa com a escola". – Começou por dizer, seguindo então: - Bem, poderei dizer que quando dizem "calma" e "de poucas palavras" são coisas que te caracterizam, estão totalmente errados.

- Como é que sabe isso sobre mim?

- "De poucaspalavras". – Repete, tirando os olhos dos papéis e encarando-me. Tremi. –Há algumas coisas que tens de saber... - Atira os papéis para a secretária ecruza a perna direita por cima da esquerda. - ... E outras que não são em nadanecessárias teres conhecimento. Primeiro: tu estás aqui porque eu quis, eporque tu tens de estar aqui. Segundo: aqui ninguém te vai fazer mais do queaquilo que vais querer, ninguém te vai magoar. Terceiro: vais ser muito felizaqui. – Clareia a voz e logo diz: - Étudo o que precisas saber, Lola.

RENDIDA ● LUKE HEMMINGSOnde histórias criam vida. Descubra agora