III

2K 310 85
                                    

Ficar assim... em silêncio, abraçados, Kirishima agora apenas fungava e soluçava, Bakugou continuava quieto demais, apenas acariciava os cabelos e segurava suas mãos. Uma hora eles iriam ter que falar algo, não poderiam ficar assim para sempre, e Bakugou ainda tinha que sair sem ser visto, seus colegas iriam reclamar do sumiço dele e iriam procurá-lo também. O tempo estava passando, algum deles tinha que falar algo...

—  Bakug- 

— Espera, já volto. 

Kirishima sentiu Bakugou saindo de cima da maca. "Então vai ser assim?"

Uns barulhos foram ouvidos, ele odiava admitir mas seus outros sentidos ficaram bem mais aguçados após perder sua visão, parece que tudo ao seu redor fazia um barulho bem mais alto do que deveria, como se eles tivessem sido ignorados a vida toda, e agora só estavam aumentando pois era a única maneira de saber que tinha algo se mexendo ali. Era um zíper se abrindo, Bakugou provavelmente levou sua mochila para o quarto; logo depois coisas em conflito.. ele estava procurando algo na bolsa. Zíper de novo; passos apressados que aumentavam o som  conforme ele se aproximava. 

Logo ele estava de volta na mesma posição que antes. Kirishima nunca tinha o visto agir assim, mas longe dele de reclamar. 

— Pode falar agora. 

— Eu não... não sei por onde começar. 

— Que tal explicar como isso aconteceu? Eu estou olhando pros seus olhos agora mesmo, e parecem perfeitamente bons pra mim, não ficaram esbranquiçados nem nada do tipo. - Ele disse, com a maior confiança do mundo. Então a estratégia de Aizawa estava funcionando. 

— Aí é que tá... não são meus olhos. 

Bakugou fez uma expressão de surpresa e encarou mais ainda, se bem que ele tinha achado estranho a pequena quantidade de piscadas que Kirishima tinha dado durante esse tempo todo, mas achou que fosse só paranoia da sua cabeça. 

— Como assim? 

— São olhos de vidro, tem a mesma cor das minhas íris e são bem realistas, foi ideia de Aizawa... para fazer vocês não desconfiarem. Meus pais fizeram a encomenda que veio lá da Alemanha, parece que já sabiam antes de eu acordar que eu tinha ficado assim, e quando eu acordei eles perguntaram se eu queria usar, lógico que eu aceitei. 

— Alemanha é... deve ter sido caro. 

— Isso importa? E ei.. mesmo sem te ver, eu ainda tenho a leve impressão de que você tá me encarando muito... 

Bakugou se inclina para trás e resmunga algo, Kirishima dá um riso fraco. 

— São muito reais, você só não pisca muito... e fica parado olhando pra um lugar só. 

— Ah, não tenho mais necessidade de piscar, então eu acabo esquecendo... sabe, se eu tirar eles você vai ver só um buraco. - Eijiro aponta pra eles. — Não gosto de repetir isso, mas pelo que me contaram eu ultrapassei os meus limites e meu corpo, principalmente meus olhos, não aguentaram a pressão do unbreakable.Eu acabei desmaiando logo depois de fazer isso, alguns ossos meus quebraram, e meus olhos.. eles..

— Relaxa, meu Deus, já entendi. Não precisa contar. 

— Obrigado... eu não lembro de mais nada depois disso. Só que eu acordei uma semana atrás. Quando eu acordei... parecia um pesadelo cara! eu não via nada, só escuro... conseguia ouvir meus pais dizendo que eu acordei, conseguia ouvir as portas do quarto abrindo, conseguia ouvir a movimentação no corredor, mas eu não enxergava nada. Absolutamente nada. Tentei chorar e não consegui, me falaram que em uma cirurgia foi necessário remover minhas glândulas lacrimais, olha que merda! É assustador, eu to com medo, Bakugou... eu to com muito medo. 

— Eu to aqui, ok? Eu posso ser uma pessoa horrível pra demonstrar sentimentos, mas desde o nosso primeiro ano na UA, você sempre foi o meu favorito, eu sei que tu sabe disso, você é bem inteligente e já deve ter descoberto. - Bakugou aproximou mais sua cabeça na dele, deixando as testas quase coladas. Ele queria demonstrar que estava falando isso seriamente, e queria que Kirishima entendesse o recado. —  Você se preocupou comigo quando eu fui sequestrado, agora... agora eu vou retribuir, né?

Kirishima sorriu e o abraçou, não conseguia por em palavras o quanto ele estava grato em ter recebido aquela visita. Apesar de querer manter distância de todo mundo por ter medo das reações deles, ele nunca havia se sentido tão sozinho naquela última semana. Estava sofrendo em silêncio e tinha imposto para que continuasse assim, mas felizmente existem aqueles que tacam o fodase para as regras, e ele agradeceu tanto por aquele alguém ser Bakugou Katsuki. 

— De todos, eu queria ter te visto por último. Porque eu sei que seria bem mais doloroso ter que te contar isso, você não sabe em quantos pedacinhos meu coração está partido. E antes que você pense que é porque eu gosto de você... bem, vamos deixar isso para mais tarde. - Kirishima riu de nervoso, Bakugou ergueu uma sobrancelha. — O que eu estou tentando dizer é que... eu sei do seu segredo. 

— Meu... segredo? 

— Desculpa... eu juro que foi sem querer, se você não me contou por mais de um ano de amizade eu imagino que tenha seus motivos, mas eu acabei descobrindo por puro acaso, não comentei nada pois sabia que você iria se sentir desconfortável e inferior. É por isso que não contou, não é? Você não quer que todos pensem que você é inferior a eles. 

— Cabelo de merda... mas que porr-

— Foi por isso que eu me dediquei a aprender, desde o dia que eu soube eu fiz uns testes para confirmar, poderia ser um engano... mas até hoje, minutos atrás, você continua a confirmar minha teoria. Quando eu te chamei e você não respondeu, quando eu fui começar a falar e você pediu para esperar, foi lá mexer na sua bolsa e voltou. 

Agora quem estava se sentindo sufocado era Bakugou. Ele sabia, esse maldito sabia, foi o primeiro de seus colegas a saber e ele nunca desconfiou. 

— Você sempre falou com a gente quando estávamos frente a frente, você sempre gritava e às vezes nos ignorava. No começo eu achei que era só coisa da sua personalidade ruim, mas eu acabei descobrindo o motivo disso tudo.

Kirishima se virou para Bakugou, tinha certeza que ele estava ali pois ele podia sentir seu corpo, e confiou que o loiro estava olhando para si. 

'Você ficou surdo, não é?' Ele sinalizou em língua de sinais. Bakugou ficou muito surpreso, o filho da puta tinha chegado bem a fundo do que deveria. 

— Stalker do caralho. 

— Ah qual é! Estou certo, isso que importa. 

— Posso saber como o  senhorzinho descobriu essa merda? Não estou com raiva, só to muito curioso pra saber. 

Kirishima voltou à antiga posição e começou a explicar. 

— Um dia, eu estava na varanda do quarto, lá na UA, e vi você fazer um monte de movimentos com as mãos enquanto olhava pro celular, como já tinha passado das oito da noite eu jurei que você estava dormindo então fiquei olhando que tu tava fazendo. Eu até fiz barulho sem querer mas você não moveu um músculo, provavelmente porque não me ouviu. 

— Filho da.... 

— Aí uns dias depois eu fui na enfermaria e enquanto aguardava a recovery girl eu vi uns papéis em cima da mesa dela. Era uma ficha sua, lá tava dizendo que, por causa do barulho das explosões serem bem perto dos seus ouvidos, você estava aos poucos perdendo ela, já que tem essa individualidade desde os quatro anos de idade. Não era tão grave porque o corpo se adapta com a quirk de cada um, mas seu caso parecia ser especial e por isso você ainda consegue ouvir várias coisas, mas não anula o fato de que tu não consegue ouvir sons muito distantes ou muito baixos, e também pode ser algo embaralhado -Kirishima para e respira um pouco, Bakugou espera ele continuar. —  Por isso você sempre dá apelidos pro povo da sala, você não conseguiu entender muito bem os nomes deles, inclusive o meu, e acabou dando apelidos. Depois tu obviamente viu eles escritos em algum lugar, mas sabe... o apelido ficou. Agora pouco você foi pegar seus aparelhos auditivos, não foi? Estamos um do lado do outro, não tem como você ler meus lábios sem ver eles. 

A sala ficou em silêncio, fato que perturbou Kirishima. 

Be my eyes, Katsuki | KiribakuOnde histórias criam vida. Descubra agora