Capítulo 2

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"Porque eu tenho muita vida fluindo em minhas veias e sendo desperdiçada."- Feel - Robbie Williams


        AURORA


Sabe, eu entendo bem de roteiros, de pontos turísticos... Às vezes, o difícil mesmo é me entender. Como agora, por exemplo, que insisto em ter essa estranha sensação de familiaridade (nos raros momentos em que não estou preocupada demais sentindo verdadeiro pânico, quer dizer) enquanto o ônibus onde estou me leva do aeroporto até o centro da tão famosa Edimburgo de Oliver e Aurora. É, eu vim mesmo parar aqui. Até pra mim ainda é difícil aceitar, mas após uma semana infernal regada a ameaças de venda da agência e argumentos de que eu tinha dado minha palavra, não havia muito o que fazer a não ser assumir de vez minha derrota para o projeto de Mr. Darcy escocês. Ele já tinha até acertado os clientes que terei!!! Nota-se que já sabia muito bem que, independentemente da minha grande teimosia e senso de decisão, conseguiria dar um jeito de ludibriar a pobre neta de qualquer jeito.

Mas o que acontece é que a identificação com Edimburgo, com toda a atmosfera desse lugar, é um tanto quanto intrigante. Não existe motivo para familiaridade. Sim, talvez seja só pelas histórias que tanto ouvi a respeito não só da cidade, como de todo esse país. Escócia sempre foi sinônimo apenas do lugar de onde meus avós vieram. Do lugar onde começaram. Eles sempre falaram sobre ela com entusiasmo e encanto, mas se fosse tão incrível assim não teriam ido embora, não é? Até mesmo nas histórias de Aurora que tanto me encantavam sempre o vi apenas como um cenário necessário para os acontecimentos e nunca parei para pensar em algo mais específico. O fato é que agora, conforme os muitos tons de verdes que passam rápido pela janela vão surgindo e aos poucos dando lugar à paisagem cercada pelas construções medievais típicas da região, a ficha vai caindo de que realmente estou aqui e me dando sensações inesperadas.

Tá, deixando a sensibilidade de lado... pode ser que o irritante escocês notavelmente bêbado sentado ao meu lado, tentando a todo custo adivinhar minha nacionalidade desde que entrei no ônibus, com um sotaque carregado, reforce a ideia de que não estamos mais no Brasil.

E eu ainda achava um exagero aquele velho boato de que a galera aqui gosta de beber muito...

— Já sei! Turquia. — esforço-me para entender o falar que se torna ainda mais complicado quando combinado com o álcool e ele faz uma cara empolgada como se houvesse feito uma grande descoberta científica.

Desde quando percebeu que tinha uma gringa dentro do ônibus, já fui chamada de espanhola, americana, italiana, e agora turca. Se não estivesse tão cansada, faria questão de lembrá-lo de que existe uma coisa bem interessante no mundo chamada América do Sul.

— Ainda está no continente errado, amigo — ele nem escuta o que digo.

Preciso admitir que corrigir meu país de origem para meu novo colega bebum ainda é uma alternativa um pouco melhor do que ser tomada pelo pânico do qual comentei momentos atrás e que está me perseguindo desde que meu avião decolou e fiquei por minha própria conta. Quão vergonhoso é para alguém que estudou para se tornar uma guia, revelar que praticamente tem um princípio de infarto quando precisa passar por uma experiência dessas sozinha?

Meu medo de tudo que cerca essa viagem vai desde os mais bobos e primários, do tipo não conseguir ser convincente na hora de apresentar os destinos para os pobres coitados escolhidos para rodarem o país comigo (não é um medo tão bobo e primário quando me lembro que, como precisei prometer para meu querido patrão, estou sem qualquer recurso tecnológico para pesquisas além do meu celular guerreiro que vai ser o escolhido para quebrar meu galho e que minha experiência é igual a zero) até os mais psicóticos que chegam a um possível assassinato no meio do nada do qual as autoridades só descobririam muito tempo depois se for levado em consideração que deve ser difícil achar um corpo em alguns dos locais que preciso visitar.

O Outro Lado do Mundo [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora