Capítulo 1

2.8K 148 27
                                    


"Me dê um momento, algo meio misterioso. (...) Porque, querido, não tenho nada a perder". – Shot At Night – The Killers

       AURORA

Posso afirmar com categoria que todo o meu ar está começando a se esvair de meus pulmões. Imóvel e com os olhos vidrados em uma das paredes claras do escritório de Oliver Calter, congelada seria uma boa definição no momento.

Esse é o tipo de sensação que você tem quando vem atender o chamado do seu avô com muito bom humor e pronta para dar a ele a notícia de que tem mais um roteiro impecável esperando para ser usado e recebe em resposta um empolgado, mas não menos doloroso: "Novidade: a agência vai mudar de dono". Quando ele viu minha cor indo embora do rosto, deve ter se sentindo um pouco mal por ser tão abrupto e logo emendou um "você vai ser a nova dona, claro". Garanto que não melhorou minha situação.

E aqui estamos nós. Ele, de pé perto de mim após meu total estado de silêncio e falta de clareza e eu, esforçando-me para encontrar uma boa maneira de dizer que ele só pode ter ficado louco. Louco de verdade. Uma loucura que vai além da doideira escocesa com a qual já estou até acostumada quando vinda dele.

— Vô... — É a primeira palavra que falo desde que entrei e ainda assim sai com dificuldade. — Você está bem? Sei que os últimos dias não têm sido fáceis...

O contraste de comportamentos é grande por aqui já que ele, contra todas as possibilidades, ri alto da cara de imbecil que posso sentir que estou mostrando.

— Estou perfeitamente bem. — interrompe e apela com seu grande "sorriso de vô" que costuma me fazer derreter quando não estou tão perplexa. — Você está?

— Quer que eu seja sincera?

Sua atenção em mim e a maneira como volta a se sentar tranquilamente na cadeira em frente à sua mesa deixam subentendido que não vai estender muito a conversa para além do que pretende dizer. Meu avô está longe de aparentar suas 76 primaveras. Tenho plena convicção de que o grande motivo disso é toda a animação e entusiasmo que sempre teve para dar e vender. Não é um absurdo então o quanto uma notícia como essa pode pegar não só a mim, mas a todos de surpresa.

Ele, por sua vez, não parece nada abalado.

— Mas que história é essa agora? — vou recuperando minha capacidade de argumentação aos poucos. — Vô, essa empresa é a coisa que você mais ama na vida. Não acha que essa decisão precisa ser um pouquinho mais cuidadosa?

— Credo, Aurora! — Apavora-se com alguma parte do meu discurso que não consigo desvendar bem qual é — Não reduza minha vida a tão pouco. Há tantas coisas que amo mais...

E eu achando que esse seria mais um dia normal...

Pego a cadeira do outro lado de sua mesa e mais do que rápido a empurro e posiciono bem em frente a dele, me sentando também. Se eu contasse para alguém que um dia ainda precisaria lembrar meu avô sobre a importância desse lugar para ele, seria taxada com graves problemas mentais. Senhor Oliver já aprontou muitas, por isso o grande segredo é tentar não perder o controle.

      Lembro que foi isso que quase aconteceu quando ele veio, há anos, com a notícia de que comemoraria seu aniversário de 70 anos viajando para o Grand Canyon. 70 anos! Sozinho no Grand Canyon!!! A parte ruim é que não posso me orgulhar em dizer que meu controle ajudou de fato em alguma coisa já que nada o impediu de ir. Os guias quase à paisana que precisei enviar escondida para que ficassem de olho nele já muito me orgulham. Tenho seu sangue, desde nova também sei aprontar quando é preciso.

O Outro Lado do Mundo [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora