"Ainda há um pouco de seu gosto em minha boca. Ainda há um pouco de você amarrado a minha dúvida." - Cannonball - Damien Rice
Paris - França
Me revirar no colchão desconfortável do quartinho minúsculo, olhar para o teto e perceber que está precisando de uma nova pintura, cutucar a unha do polegar com a do dedo médio e fazer cachos na mecha de um cabelo loiro que por si só já é mais do que cacheado. Vou repetindo todo esse rico processo de ações enquanto Arthur fala ao telefone sobre algum dos nossos próximos destinos. Ele tomou a inciativa de procurar ajuda depois que eu disse que do jeito que somos os viajantes mais enrolados do qual já se ouviu falar, seria complicado visitarmos a parte desconhecida de algum país sem terminarmos como os caras daquele filme que me dá pesadelos até hoje. O Albergue, acho que é esse o nome dele.
No geral, esse também é o processo que sigo quando não quero pensar muito. O que é o caso no momento.
Estou na parte do olhar para o teto quando escuto Arthur desligar o celular e posso perceber seu olhar para mim mesmo sem vê-lo. Apesar de já ter escurecido há algum tempo, não é tarde para os padrões de Paris e, principalmente, Montmartre, o boêmio bairro onde estamos, então nossos companheiros de quarto ainda não chegaram, o que o permite soltar sua empolgação sem modéstia e timidez já que estamos sozinhos no lugar.
— Eu não disse? Se conseguirmos sobreviver a Alemanha e Inglaterra, a Escócia nos espera com uma guia brasileira e com um roteiro que pega quase o país inteiro. — se orgulha de seu feito com um sorrisão de orelha a orelha.
Amo cada coisinha do meu irmão, mas seu humor e entusiasmo, com certeza, se destacam até mesmo em meio a beleza. O cara não desanima nunca, é impressionante.
— É confiável? — não sou a pessoa mais responsável do mundo, mas preciso manter um pouquinho da voz da razão quando se trata dele.
— Uma agência grande de Edimburgo. Parece que também estavam procurando alguém para o tipo de viagem que queremos. — dá uma piscadinha de motivação. — E antes que você diga alguma coisa, nós não estamos no Leste Europeu. — olha só a velha leitura de mentes presente nos irmãos mais velhos... — Você é linda, minha modelo, mas eu garanto que ninguém pagará um só centavo para te torturar.
Pego o único travesseiro disponível na cama e o desperdiço jogando nele.
— Se eu for sequestrada antes de desfilar em Milão, te mato por ter me convencido a bancar a aventureira. — não escondo o sorriso.
A verdade é que até que eu estava precisando disso. Talvez não do hostel mais barato de Paris e de um certo colega de viagem, mas passar esse tempo com Arthur compensa esses fatores. Meu irmão sempre foi meu melhor amigo e passar cinco anos apenas o encontrando em datas comemorativas esporádicas não vinha tornando fácil minha saudade. Férias longas se tornaram bem raras desde que me mudei de nossa cidade pequena no Paraná para Nova Iorque e comecei a trabalhar com moda — como modelo para ser mais específica —, então não dava pra deixar passar uma chance dessas quando a oportunidade veio.
— Te protegerei sempre, milady. E conheço uma outra pessoa que também tornaria a vida de alguém que quisesse te sequestrar bem difícil. — é todo maroto em sua fala, bem típico de quando quer me provocar.
Vamos combinar que, modéstia à parte, sou uma irmã bem melhor pra ele do que ele é pra mim. Mesmo eu topando essa loucura de mochilão e não reclamando de nenhum item que ele incluiu em nossos planos, o bonitinho não foi muito piedoso na escolha do terceiro integrante da viagem. Eu sei que Max é seu melhor amigo, mas caramba... Precisava me fazer ser obrigada a passar tanto tempo com o cara que partiu meu coração?
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O Outro Lado do Mundo [DEGUSTAÇÃO]
ChickLitO máximo que Aurora já se aproximou de uma vida bem vivida e do amor foi pelas histórias contadas por seu avô, um escocês que há décadas deixou tudo pra trás ao encontrar sua alma gêmea e vir parar no Brasil com ela. E é esse mesmo avô que agora que...