CAPÍTULO DOIS

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CAPÍTULO DOIS

Conforme voltava a si, a visão se tornava avermelhada sob as pálpebras pesadas, que mesmo irritadas com a luz, se negavam a abrir; o cansaço desgastava qualquer energia. Hemera aos poucos tomava consciência do que ocorria ao seu redor; a atmosfera de sono ia se extinguindo e uma dor incomoda nos músculos ganhava notoriedade. Um rangido rítmico ecoando pelo chão soava por seus ouvidos, o som era quase inaudível, mas sobressaía ao silêncio predominante.

Passos, sua mente avisou, passos lentos. Mesmo com um invasor rondando, Hemera não conseguiu se desgarrar do sono, a mente muito cansada para que o perigo pudesse alarmar o corpo da forma devida. 

Apagou novamente.

Os dedos das mãos foram os primeiros a tomar consciência, os mexeu ritmicamente, despertando. A mente encontrava-se vazia, mas as dores insistentes pelo corpo denunciavam que algo estava errado, muito errado.

 Aos poucos, conforme finalmente acordava, a enxurrada de lembranças a atingiu em par a queimação na garganta e o ardor incomodo nos pulmões.

Explodiu tudo em cores e formas por trás das pálpebras ainda cerradas: casamento e fuga, Rhouben e a entidade que o possuía; o poder e a forma como o liberou. Hybern e a travessia estupidamente malsucedida ao que foi tomada pelo pânico da lembrança que a total escuridão a fazia sentir. 

Lembrou com calafrios como o corpo reagiu; nunca houvera tentado atravessar para fora de Hybern, sequer poderia, já que toda a ilha continha proteções que os impediam de atravessarem para fora ou diretamente para dentro. Haviam pontos nas bordas de Hybern, todavia, nunca fora permitido a ela chegar tão longe.

O fato era que nunca atravessou em uma distância consideravelmente grande, como tentou fazer ao atravessar de Hybern aquela tarde. Sequer conhecia o lugar para onde planejava ir. O pavor ganhou com êxito, já que após ser introduzida a força no Caldeirão, passou a odiar atravessar. A escuridão e o vazio que a rondavam, antes de chegar a algum ponto, traziam a memória o maldito infortúnio nas águas infinitamente cruéis do Caldeirão; Ianthe a obrigara treinar mesmo assim, extasiada demais com o fato de sua adorada filha ter poderes dos sete senhores de Prythian, os poderes de sua cruel inimiga, entoava ela. 

Logo, todo o trauma, a pancada e o notório desgaste físico por liberar aquele Poder, a atrapalhou e, conforme atravessava, visualizou o mundo abaixo, viu o mar ganhar forma e tudo sair de controle.

Então ele.

Sentou-se abruptamente, totalmente desperta. Os olhos protestaram instintivamente contra a claridade que entrava em abundância pelas largas janelas abertas para o mundo a fora, sem vidros, apenas cortinas em tecidos leves e cor de ametista que dançavam a brisa da manhã. Encontrava-se em uma cama extremamente extensa em tons de marfim, envolta a travesseiros e mantas. Hemera trajou com os olhos atentos todo o cômodo largo e arejado; pisos de mármore, armário e penteadeira, uma mesa redonda no canto com dois assentos vazios. Uma porta adjacente aberta, que provavelmente pertenciam a uma sala de banho; sedas, veludo e esferas de luzes feéricas apagadas. E poltronas, próximas a janela aberta, em tons de azul vibrante e escuro, e empoleirado em uma delas, um macho alado.

Ele a estudava atentamente, costas empertigadas; as asas fora o que notou primeiro. Grandes asas membranosas, como as de um morcego, lisas, manchadas com uma pitada de iridescência e decentemente encaixadas na poltrona. O macho vestia couro escuro e sete pedras em tom de cobalto resplandeciam: duas nas manoplas das mãos, duas nos antebraços, duas nos ombros e uma maior no peitoril largo. Possuía beleza clássica e indecifrável, de feições elegantes. Visivelmente alto, dono de cabelos escuros e pele bronzeada. Hemera percebera que nunca vira um macho tão estrondosamente belo, tudo ao seu redor parecia mistério de uma forma selvagem e perigosa.

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