CAPÍTULO UM

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CAPÍTULO UM

O silencio sempre assustou Hemera. A falta de ruídos ou conversas fora o prelúdio para todos os momentos ruins que se desenrolara em seguida, por toda sua vida; como a maldita calmaria antes da tempestade. Foi assim quando toda Hybern silenciou, ela bem lembrava, sequer os pássaros entoaram seus cantos; as águas até pareciam tímidas ao se derramarem, quebrando ao mar abaixo do palácio. Vira o primeiro dos poucos soldados que retornaram das terras humanas despontar no salão do trono aos primeiros filetes de claridade do dia; ao checar sua aparência, Hemera poderia jurar que o caminho das dunas rochosas até aquele palácio encontravam-se cobertos de sangue.

O rei está morto, decapitado; tudo o que escutaram antes do soldado cair desacordado. Os cortesões arfaram em choque, os conselheiros se colocaram de pé.

E a sua liberdade se esvaiu junto com a vida daquele soldado condenado.

Amarrou o cabelo com a fita de couro, praguejando o calor infernal que atingira Hybern, como um lembrete. Dois anos sem um rei de fato declarado. Não sentia falta dele. Sequer o luto a rondara, como ameaçara fazer após a notícia da morte de Ianthe. Todavia, mesmo não sendo um pai de ouro, tinha de admitir que a presença odiosa do rei a impedira de passar pelos pesadelos que a sequestraram desde sua morte.

Pôs as mãos na arma portátil de metal e puxou o cordão de fibra, sopesando o comprimento da flecha. Segurou o arco e puxou ainda mais a corda, calculando a distância até o destino, porém, sem modéstia, dificilmente errava o alvo.

Puxou o ar e soltou a flecha, assistindo satisfeita a haste tremelear quando o ferro triangular atingiu o círculo pequeno desenhado a carvão no tronco da árvore.

— Isso foi bom. — o som da voz afiada fez os pelos da nuca arrepiarem em uma sensação desagradável; virou, o fitando, surpresa por não ter o escutado chegar. O cabelo em tom de nanquim estava penteado para trás, embora alguns cachos rebeldes caíssem em sua testa; alto, com porte pomposo em suas roupas pretas, as mãos entrelaçadas atrás do corpo coberto pela tímida pele rosada, típica dos de Hybern. — Mas não é uma... conduta para uma princesa ter.

— E qual seria a conduta certa, Rhouben? Escolher vestidos, escovar os cabelos, tomar chá enquanto fofoco da vida de outros cortesões e por fim aguardar na cama, de pernas abertas, um príncipe vir me foder pela noite? — entoou alto enquanto caminhava até a árvore marcada; alguns soldados que treinavam por ali, e que provavelmente não a conheciam o suficiente, a olharam chocados com o linguajar, outros no entanto só a ignoraram, acostumados o suficiente com os modos nada tradicionais da princesa. Odiava a maioria deles, de qualquer forma, para pensar em se importar.

Todavia, fora o pulsar irritado no maxilar quadrado de Rhouben que a fez sorrir, satisfeita. Nunca fora a típica fêmea doce e gentil, Ianthe nunca a exigira tal coisa; talvez, por achar que seus dias estavam contados, sempre a deixou viver da maneira que almejasse, muito embora puxasse as rédeas toda vez que Hemera ia longe demais.

— Não deveria dizer coisas assim.

— O caralho que não! — arrancou a flecha da madeira, algumas farpas caindo a esmos. Enquanto voltava, divertia-se com a expressão severa do primo e noivo; o príncipe que realmente a fodia toda noite. E seu pesadelo particular.

— Hemera. — o tom baixo e ameaçador a fez ter o bom senso de estancar o sorriso; o fitou nos olhos, passara a ver algo diferente ali algumas semanas atrás. A habitual crueldade e vazio estavam escancarados na expressão, porém, os olhos pretos a encaravam com um brilho perverso e antigo, como um felino observando a presa antes de atacar. Algo que fazia os pelos de Hemera arrepiarem em mau agouro e o Poder rugir em seu âmago, arranhando para tomar controle.

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