Prólogo - Cor do coração

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Nossos passos ecoavam no longo corredor vazio, dessincronizados e ruidosos. O ritmo de Yoo Han explicitava o grau de animação que o consumia naquele momento, eu tinha que correr para conseguir acompanha-lo. Nossas mãos firmemente unidas sacudiam conforme corríamos, me enviando um calor que se acumulava em minhas bochechas. Vermelho... Isso, eu devia estar vermelho. Assim como as pontinhas das orelhas de Yoo Han costumavam ficar quando ele se envergonhava.

Eu já estava ofegante quando subimos as escadas, me perguntando por que aquele garoto sempre conseguia me arrastar para onde quer que ele quisesse ir. Encarei o pequeno espaço sujo, que parecia servir de depósito. Era o ponto mais alto da escola... ou quase.

Era evidente que não deveríamos estar ali e, apesar de meu instinto de garoto certinho nunca ter sido tão apurado assim, eu tinha o mínimo de noção do perigo e zelo por minha própria reputação. No entanto, mesmo estando ali justamente com aquele que me colocaram em tantos problemas em um curto intervalo de tempo, eu percebi ser incapaz de fazer qualquer coisa que não obedece-lo.

- Chegamos! - exclamou ele, pegando uma velha escada de ferro e a apoiando na parede - Segure pra mim, Yeon Woo! - e começou a subir os degraus trêmulos, antes mesmo que eu pudesse reagir para ajudar.

Mantive os olhos baixos enquanto ele subia, evitando encarar a parte inferior do corpo do garoto enquanto escutava-o murmurar pela milésima vez a combinação que abria o cadeado. Ouvi o barulho das pequenas engrenagens rangendo enquanto Yoo Han colocava a senha, e então um clique agudo. Um objeto caiu aos meus pés no chão empoeirado, o cadeado. Instintivamente olhei para cima, voltando o olhar ao chão no instante seguinte, sentindo minhas bochechas corarem.

- O que houve? - o garoto desceu alguns degraus até estar a minha altura. Ergui os olhos timidamente, o que me resultou uma explosão de cores às quais eu já estava habituado. Seu olhar questionador adquiriu um tom ligeiramente acastanhado, porém o ambiente permaneceu sem muitas cores.

- N... Nada... - murmuro envergonhado, vendo um sorriso aparecer por trás da máscara escura que o outro usava.

- Não está com vergonha de mim, está? - seu tom de voz era zombeteiro, porém ele tinha novamente lido meus pensamentos. Maldito garoto irritante. Diante de meu silêncio, soltou uma risada e se virou, recomeçando a subida. - Venha, Yeon Woo!

Fechei os olhos por alguns segundos quando senti poeira cair da abertura recém descoberta pelo garoto acima de mim. Em seguida, comecei a subir os degraus, reparando que estavam sendo firmados por um par de mãos lá em cima. Uma delas se soltou quando eu já estava no fim da escada, estendendo-se em minha direção. Aceitei de bom grado o auxílio para terminar de subir, dada a instabilidade preocupante da escada velha.

- Você não tem um pingo de juízo, né? Se algum degrau dessa escada se partisse, acha que eu iria.... Uau... - exclamo interrompendo minha reclamação, quando meus olhos se deparam com o céu azul cheio de nuvens. Um sorriso satisfeito fez os olhos de meu acompanhante se estreitarem ligeiramente, o que prendeu minha atenção por um tempo excessivamente longo antes que eu me desse conta de que ainda estava com metade do corpo do lado de dentro da escola.

- Cuidado, essas telhas estão meio soltas... - Yoo Han alertou, segurando minha cintura até que eu passasse as pernas para fora da abertura do telhado. - Vem, aqui não é o lugar mais alto. Precisamos ter a melhor vista de todas!

A caminhada pelo telhado era instável e perigosa. As telhas faziam um ruído enorme enquanto passávamos, me fazendo prender a respiração a cada barulho mais alto quando pisava em alguma. A qualquer momento poderíamos cair no andar de baixo, então por que eu continuava me sujeitando a essa empreitada arriscada?

O motivo tinha nome, sobrenome e uma mão que, no momento, estava firmemente agarrada à minha, me impedindo de tropeçar mas, simultaneamente, de fugir também. Não que eu quisesse.

Enquanto prestava atenção ao caminho que percorríamos para evitar telhas quebradas ou soltas, me segurava também para não olhar a vista que se estendia até onde nossos olhos podiam ver. Queria esperar pelo momento perfeito para vislumbrar tudo de uma vez, embora fosse tentador erguer a cabeça e contemplar a vista que, com a adição de cores, certamente seria impressionante.

- Aqui... sente-se aqui! - instruiu a doce voz, se sentando sobre uma tábua que ia de uma ponta à outra do telhado. Ele chegou com tanta tranquilidade que me peguei pensando quantas vezes teria vindo ao mesmo local. Uma sensação esquisita pesou em meu peito quando me veio a possibilidade de que talvez ele não viesse sozinho nas outras vezes...

Sacudi a cabeça, olhando para nossas mãos unidas em cima da telha com ar pensativo. Encolhi as pernas e me desvencilhei dele, o semblante carregado de uma preocupação sem fundamento. De que me importava ele ter trago alguém aqui outras vezes?

- Ei... - me arrancando de meus pensamentos, Yoo Han tentou segurar minha mão novamente, sem sucesso. - O que há com você, Yeon Woo? Vamos, dê uma olhada na vista! Ou por acaso tem medo de altura? - disse num tom cautelosamente zombeteiro, me testando.

Ergui os olhos para retrucar, porém, a visão em minha frente me fez esquecer qualquer pensamento estranho ou desconfiança que povoasse minha mente. Desfiz a carranca imediatamente após encarar a magnífica paisagem à nossa frente. Dava para ver toda a cidade daqui, e a pequena floresta ao lado dela também. Tudo parecia vibrante e colorido... Eu jamais me cansaria disso, não importavam quantas vezes eu fosse agraciado com as cores que existiam no mundo.

- Gostou? - a indagação me tirou de meu torpor, me fazendo voltar os olhos para encarar o motivo desse espetáculo colorido estar diante de mim.

- Eu adorei! Aqui é lindo! - já não havia mais rancor por alguém que eu nem sabia se existia, apenas a pura contemplação dos prazeres coloridos que existiam no mundo.

Yoo Han me encarou por um longo momento, seus cílios longos ocultando por um instante as orbes brilhantes cor de caramelo quando ele suspirou.

- Sim... É lindo. - algo me dizia que não estávamos falando da mesma coisa...

- Ei, tem poeira no seu rosto - comento estendendo a mão. Meu polegar roçou levemente pela pele suave, hesitando antes de usar o restante dos dedos para retirar sua máscara. Senti meus batimentos cardíacos acelerarem quando tive uma visão completa de seu rosto, que instantaneamente ficou menos cinzento. Eu mal reparara que as cores estavam gradualmente sumindo até este momento, em que voltaram com força total e me deixaram zonzo.

Já acostumado ao efeito que provocava em mim, o garoto estendeu os braços e me puxou para perto de si, afagando minhas costas até minha respiração se regular novamente. Da posição em que eu estava, podia ouvir nitidamente seu coração, uma pulsação forte e ligeira. O som parecia tão confortante que me peguei desejando ficar ali por mais alguns instantes, somente sentindo o rítmico pulsar enquanto contemplava o topo do mundo.

- Yoo Han...

- Sim?

- Qual é a cor de um coração?

A cor dos seus olhos - Color RushOnde histórias criam vida. Descubra agora