28

32 4 0
                                    

—Ele contou? 

Assinto para Saulo e olho para a sala por um momento onde Vini está assistindo desenhos animados onde os animais conseguem falar. Volto minha atenção ao meu namorado sentado à mesa comigo. 

—Meus pais se mudaram da primeira vez porque Severo quase atirou no meu pai quando ele apareceu bêbado naquele quintal dele pra mijar... Meu pai estava tão bêbado que caiu. Eles tiveram alguns problemas no casamento, Vini não disse o porquê nem o quê... Me adotar iria reatar o casamento nas palavras de Roberta. Quem é Severo? E porque você fez aquele livrinho pra Vinícius? 

—Severo é um velho tarado que fode com... —Vejo o rosto de Saulo se contorcer em desgosto —os próprios animais. Ele cria galinha e cavalos, o quintal dele é gigante... já invadi ali algumas vezes e libertei alguns animais. Mas ele sempre consegue mais, às vezes... Os mata. Já o vi afogar gatos com semanas de vidas, ou atirar em pintinhos por pura diversão...

—Pare. Por favor.

Saulo tocou na minha mão. 

—Desculpe. 

—E o livro? —Sussurro. Estive me aproximando dele sem perceber. Nossas pernas já estavam quase entrosadas por debaixo da mesa e agora estamos quase cotovelo a cotovelo. 

—Foi só porque ele me pediu... Eu não gosto tanto de escrever e ler quanto você mas me saí bem. Você leu todo? —Respondi que sim —Talvez mereça uma continuação. Falou com seus pais? 

Hesito em responder. Por um momento pensei em mentir, isso evitaria confusão. 

—Não. Não tive coragem. 

Estar tão próximo dele me trazia de volta ao País das Maravilhas onde todas as cores e sons estão amplificados e claros. Estar apaixonado talvez seja o mesmo de estar drogado. Talvez eu não saiba do que esteja falando. 

—Você poderia estar na casa de outra família neste momento. Não estar por perto. —Saulo, apesar da fala falha não queria chorar. 

—Eu provavelmente ainda estaria no orfanato, esperando a minha maioridade para depois estar por conta própria nas ruas. 

—Será que iriamos nos encontrar? 

—Acho difícil. David e eu fizemos um plano para fugir daqui. Conseguir dinheiro e depois, ir para onde Deus nos permitir. Que foi? 

—Me fale sobre seu amigo. 

Nada —nem mesmo o corpo dele sobre o meu —me faria mais feliz neste instante. 

Mais tarde deitados na minha cama, Saulo já sabia sobre minha vida toda: Cheguei ao orfanato aos cinco anos com uma mulher que poderia ser minha mãe ou só a mulher que impediu de eu ser atropelado por estar perdido nas ruas. Fui deixado lá desde então, achei, no primeiro momento, que seria apenas um lugar que eu iria brincar com as crianças, comer e ter aulas. Uma simples escolinha. Bom, eu ganhei uma cama e roupas, um apelido e amigos. Noite após noite eu me convencia de que agora eu era um menino sem pais, um menino que sonhava acordado com alguém sorrindo para mim e dizendo que me queria como filho. É difícil imaginar que eu já sabia... Mas crianças sempre sabem quando não podem pedir demais. 

Na Bela Benção aprendi o dever do homem e da mulher, do casamento e da benção que é ter um filho. A diretora Margarida disse que se eu tivesse sorte, meus filhos seriam tão inteligentes quanto eu e que minha mulher seria uma mulher digna e de sorte. Bom, eu não tinha certeza se queria ser pai e que qualquer mulher queria ser mãe, eu era a prova que não. Tínhamos a catequese aos domingos que era obrigatório e o resto da semana aula. 

Pontos Prateados em um Céu Azul Escuro (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora