- Sonhando de novo Aina?__ Lindiwe perguntou com um sorriso triste no rosto.
- Sim. É a única coisa que me mantém viva por dentro, a esperança de um futuro melhor...__ respondi e dei um simples sorriso.
Não é porque as coisas andavam mal que eu me ia afundar nas trevas.
Tudo começou quando eu ainda estava no ventre da minha mãe, acho que por ser sempre inquieta acabei me enrolando com o cordão umbilical em volta do pescoço, em algum momento eu poderia ter morrido e isso não seria uma má ideia.
Foi daí onde veio meu nome, Aina, aquela que nasceu com o cordão umbilical em volta do pescoço.
Já tinha chegado mal ao mundo, na verdade, já cheguei causando.Fui crescendo com um pai bandido, uma mãe revoltada por ter engravidado e consequentemente estragado seu corpo. Todo o santo dia era a mesma ladainha, o quanto eu era indesejada e odiada por ela, mas as coisas não continuaram assim por muito tempo, meu pai faleceu e ela casou-se com um homem de posses e de cor de pele clara.
Ganhei mais dois irmãos, Ryan e Isabella. Eram gémeos lindos de olhos verdes como do pai, diferente de mim eles tiveram amor.
Éramos muito próximos, Isabella era a mais social, vivia tagarelando pela casa, falando das suas colegas chatas da escola e do menino por quem era apaixonada.
Eu me sentia contente por ter eles por perto, era a única coisa que eu podia chamar de família.Estava tudo indo "bem" até o meu aniversário de 14 anos, o dia tinha nascido nublado como todos os outros aniversários que me lembro. Fazia um frio estúpido de congelar os dedinhos e caía um aguaceiro que deixava o clima mais mórbido do que parecia.
Minha mãe reclamava da temperatura, do frio, do dia, do mês e tudo amaldiçoando a minha existência.- Por que raios tu nasceste?! Olha só para essa cicatriz que deixaste em mim?! Com esse frio eu sinto a mesma dor que senti naquele dia! Raios partam!__ ela gritou frustrada enquanto vestia a segunda camisola.
- Desculpa mamã...__ disse com lágrimas nos olhos. Tudo que eu mais queria era poder receber o amor da minha mãe, eu queria que ela sentisse orgulho de mim. Eu era dedicada e esforçada, fazia todas as tarefas de casa, cuidava dos meus irmãos, estudava e ainda tirava tempo para fazer companhia a vovó, que passava muitos dias sozinha.
- Quem me dera voltar no tempo, com certeza não terias nascido!__ gritou furiosa.
- Zaida! Não fales assim com a menina! Já te disse que ela não tem culpa!__ Meu padrasto disse a minha mãe.
- Feliz aniversário minha boneca, perdoe a tua mãe, ela te ama de um jeito torto mas ama. Quero que te divirtas hoje, tome este dinheiro e vá passear ao parque, brinque com as tuas amigas e não voltes tarde à casa! Feliz aniversário!__ finalizou seu discurso dando um beijo em minha testa. Ao contrário da minha mãe, o senhor Carlos era amoroso comigo e com os filhos, ele cuidava de nós de igual forma e nos amava na mesma intensidade. Era ele que sempre me defendia das maldades da mamã e fazia-me sentir especial de alguma forma.
Emocionada dei-lhe um abraço apertado e deixei que as lágrimas rolassem.
- Obrigada por cuidar de mim Pai, amo-te muito!__ disse sorrindo ao notar sua cara de espanto, era a primeira vez que o chamava de pai, depois de tantas vezes que ele me chamava filha e eu insistia em chamar-lhe tio.
- Ele não é o teu pai ouviste! Não queira estragar a vida dos meus...__ nem quis escutar seus discursos e corri para o parque de diversões que estava vazio pelo clima.
Suspirei com pesar, sentei no baloiço e olhei a minha volta, dava para notar que todos naquele bairro estavam felizes, eu era a única adolescente literalmente infeliz.
Procurava saber o motivo que fazia a minha mãe me odiar tanto... Era por ser negra?! Isso não fazia sentido algum porque ela também era negra, vovó também era negra, 99% das pessoas do bairro eram negras... Por que motivo ela me odiava?!Respirei fundo e comecei a caminhar sem rumo, olhando para as barraquinhas e lojas de conveniência e avistei a vovó Tina, amiga da minha querida avó, ela sorriu pra mim e levantou sua mão acenando enquanto eu corria em sua direção.
- Meu bombom... Feliz aniversário!!__ abraçou-me e de seguida apertou minhas bochechas!
- Obrigada vovó...__ respondi sorri.
- Olha só, são 14 anos, estás a crescer e vais te tornar numa linda mulher! Dá uma voltinha...__ dei uma volta rápida fazendo meu vestido rodar.
- Ohh! Realmente cresceste, as regras desceram! Leva esta capulana e cubra o corpo.__ disse entusiasmada enquanto eu ficava assustada.
Era isso?! No dia do meu aniversário e dava um grande passo.Olhei para a saia do meu vestido e uma grande mancha vermelha marcava a mesma. Eu já sabia o que aquilo significava, a professora de biologia já havia explicado, eu precisava de absorventes. Saí correndo enquanto gritava um adeus para a vô Tina, absorventes, absorventes, absorventes... Minha mente apenas pensava nisso. Avistei a farmácia e corri para dentro dela, olhei para prateleira e com letras garrafais estava lá o que eu mais precisava no momento. Eram tantos, vários tipos, vários tamanhos... Decidi pegar em dois pacotes, depois de pagar lá estava eu perdida de novo, para onde iria?
A minha mãe com certeza não iria me ajudar em nada, só iria me humilhar e gritar para mim... Ela com certeza está fora de cogitação! Mas eu não tenho mais ninguém!
Suspirei frustrada e assustada, algo escorria pelas minhas pernas, minha bexiga doía, sentia fisgadas ao pé da barriga e me curvei.
- Ahhhh, vovó...__ dei um grito de dor.
Era isso, vovó era a única que me podia ajudar.Corri para sua casa, estava ensopada de sangue e cheia de dor. Vovó mandou-me fazer um banho quente, deu-me um chá calmante e me ensinou a usar o absorvente, agora eu estava em seu colo enquanto ela me fazia um carinho nos cabelos rebeldes.
- Feliz aniversário meu anjo. Agora és oficialmente uma mocinha!__ disse sorrindo para mim.
- Obrigada avó, achas que agora a mãe vai gostar de mim?!__ perguntei engolindo o bolo que se formou em minha garganta.
- Não te preocupes com a tua mãe... Ela ficou muito abalada com a morte do vovô e do teu pai... De lá pra cá ela anda assim... Ela te ama, só não sabe demonstrar.__ disse enquanto limpava a lágrima solitária que caía pelo meu rosto.
- Toma, este é o meu presente para ti.__ colocou um um pingente com trevo de quatro folhas.
- Este pingente serve para fazer lembrar o quão importante tu és! Nada e ninguém poderá impedir a tua felicidade! Você nasceu pra vencer!__ disse sorrindo e deixou um beijo em minha testa.
Aquele foi oficialmente o último dia que eu fui verdadeiramente feliz.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Dama De Preto
RomanceNascer mulher tem sido um problema desde os primórdios tempos. São perseguições, preconceitos, humilhações, desprezo, violências e por aí vai uma longa lista de desvantagens. Algumas mulheres são sortudas, outras nem por isso, e Aina também não era...