O coração e suas partidas

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Depois de comer, Ivan me entregou os analgésicos e me levou para fazer um "tour" pela casa.

- Este aqui é o bar/sala de encontros onde os clientes e as meninas se encontram.__ disse enquanto mostrava um grande sala mobiliada com sofás, cadeiras e mesas, um mini bar, uma pista de poledance e cabines com pequenos colchões.

- Este é camarim, como vês, podem se arrumar aqui.__ mostrou uma sala com várias cabines.

- Por quê não tem ninguém a trabalhar?!__ expressei minha curiosidade.

- Hoje é domingo, é o dia para ficar em família! Pode não ser sua família de sangue, mas somos uma família.__ sorriu de leve e abriu uma porta que revelou várias mulheres sorrindo e conversando. Olhei para todas que ostentavam uma cara de felicidade.

- Meninas, bom dia! Dêem as boas vindas para nossa mais nova princesa, Aina!__ Ivan disse chamando a atenção delas que prontamente fizeram silêncio ao ouvir sua voz.

- Bom dia! Seja bem-vinda Aina!__ disseram em coro.

- Bom dia, muito obrigada.__ respondi contida.

- Vamos, vou te mostrar onde você irá trabalhar...__ Ivan sorriu mostrando seus dentes bonitos e caminhou. Depois de passarmos por 4 portas viramos a esquerda e visualizei um corredor com portas coloridas, paramos em frente a porta preta.

- Este é o quarto onde vais trabalhar... Podes entrar e apreciar... E dizer-me o que queres que seja modificado.__ disse ao abrir a porta.

Olhei para o quarto decorado de preto e roxo, a cama estava no centro e bem ao lado tinha uma cabeceira e um espelho grande por cima da cama, assim como em frente.
Suspirei pesadamente, se eu levasse uma vida normal com certeza aquele quarto seria maravilhoso.

- Obrigada, podiam tirar os espelhos? Eu acho deplorável ter que ver o meu corpo sendo usado desse jeito...__ falei com a voz baixa.

- Então não gostou do quarto?__ perguntou em tom de preocupação.

- Se eu levasse uma vida normal, com certeza adoraria o quarto, amei as cores, adoraria acordar e ver meu reflexo de felicidade e de garota normal nesse espelho...__ respondi melancólica.

- Eu sinto muito...

- Não precisa... Não precisa falar nada, obrigada.__ respondi ríspida. Era irónico, um absurdo, um cúmulo ele dizer que sente muito sendo que ele, o pai, a família e uma multidão de pessoas faziam dinheiro através do nosso sofrimento, da nossa dignidade.
Era desumano o que faziam comigo, com elas, connosco. Nós éramos crianças completas, felizes, com sonhos e metas mas tudo foi tirado de nós por ganância, pela maldade e escrotice deles.
Não é justo que nós passemos por isso enquanto eles levam vidas normais lá fora, enquanto eles são livres e convivem com seus familiares!

- Eu gostaria de ver a Lindiwe por favor...__ pedi com um fiasco de voz e limpei as lágrimas teimosas.

Sem falar nada saímos do quarto e fomos até o final do corredor e viramos a direita que mostrou outro corredor e entramos na primeira porta.
Lindiwe estava sentada, com o controle remoto na mão e uma cara emburrada. Parecia entediada, seu rosto estava todo corado e suado, vendo assim parecia uma menina fazendo birra e de castigo. Dava vontade de rir.

- Lindi...__ chamei sua atenção e corri até sua cama, abracei ela com toda força e me permiti chorar, assim como ela.

- Mana, senti saudades...__ disse fungando em meu pescoço.

- Agora estou aqui meu bem e nada irá nos separar, nada...__ falei encostando nossas testas e limpei as lágrimas dela.

- Você está muito abatida, aquele cão do inferno bateu em você...__ constatou depois de avaliar meu rosto e escutamos um pigarrear.

- Ainda estou aqui...__ Ivan disse sem jeito.

- Ohhh, imensas desculpas, mas seu pai é um asco!__ Lindi disse sem rodeios e Ivan deu uma risada.

- Eu sei, você tem toda a razão... Ele e um demónio não tem muita diferença, mas vou deixar vocês conversarem melhor, se precisarem de alguma coisa, Aina, você conhece meu quarto...__ disse e deu um sorriso se retirando do quarto.

-Ahhh, ele é tão lindo, tão fofo, meigo e carinhoso... Você tinha que ver nos primeiros dias que eu cheguei, ele até me deu de comer quando estava fraca, ele é um anjo mana!__ Lindi disse depois de suspirar.

- Não te deixes enganar pelas aparências, não te esqueças de quem ele é filho...__ respondi seca.

- Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Ele passa um ar de segurança e esperança, se ele fosse mau eu sentiria, assim como sinto quando chega o enviado do diabo, sinto calafrios!__ defendeu arranjando sua coberta.

- Ele pode ser um bom ator...

- Minha intuição não falha! Não custa nada você dar um voto pra ele.__ me olhou de forma carinhosa e eu revirei os olhos.

- Estou preocupada com as outras meninas, agora que não estamos lá Dora fará da vida delas um inferno!__ mudei de assunto e ela bufou frustrada.

- Infelizmente elas não vieram connosco, se bem que o problema é Dora, ela é que tinha de sair das nossas vidas.__ disse nervosa.

- Mas acredito que depois da surra que levou ela vai ficar quieta por um tempo__ falei me lembrando da tortura de alguns dias me dando calafrios.

- Eu sinto muito por todo inferno que você passou por mim...__ disse me abraçando.

Passamos a tarde toda conversando e assistindo e no final do dia estávamos cansadas, deixei um beijo em sua testa e saí para procurar Ivan, eu não sabia onde dormir.
Então fui até seu quarto e bati a porta, ninguém respondeu então entrei e visualizei o quarto aparentemente vazio.
Fui até ao vidro da janela observando o mar agitado e um navio passando por ele, olhei para o céu meio nublado e abri a janela permitindo que a brisa refrescasse meu rosto.

- Essa é uma das melhores terapias...__ a voz rouca de Ivan ecoou pelo quarto me assustando.

- Me assustou... Desculpe por invadir seu quarto, não sabia que estava aqui...__ falei envergonhada ao me deparar com um Ivan de banho recém tomado vestindo apenas uma toalha na parte de baixo.

- Sem problemas, o que veio fazer aqui?__ perguntou passando uma outra toalha pelo cabelo enquanto gotas sortudas acariciavam seu tronco nu.

- Eu... Eu... Eu vim saber onde vou dormir, o quarto que me apresentou é para trabalho certo?!__ perguntei nervosa tentando manter o foco em outra coisa que não fosse seu magnífico corpo.

- Pode continuar dormindo aqui, eu não me incomodo...__ disse sorrindo e se aproximando.

- A... aqui?__ perguntei desconcertada quando ele me encurralou entre a janela, me fazendo sentir o cheiro da sua loção de banho, me transmitindo um calor enorme pela proximidade... Meu ventre contraiu... Cruzes! O que é isso!

- Sim, eu me acostumei a você nesses dias...__ lambeu seus lábios de forma lenta deixando-os com um aspecto de dar água na boca... Eu nunca quis tanto beijar como eu quero agora!
Espera! Eu nunca beijei, não de forma consentida.

- Eu... Eu... Eu não sei o que dizer...__ respondi confusa e quase desfaleci quando seu nariz passou pelo meu pescoço mandando ondas de arrepios sobre mim.

- Apenas aceite...__ disse ao pé do meu ouvido, meu coração falhou duas batidas e eu murmurei um som desconexo. Ele se afastou o suficiente para que eu pudesse ver seus olhos brilhantes e sorriu fazendo meu ventre pulsar.

Fechei meus olhos com força tentando regularizar a respiração e espantar o desejo que se apossou de mim.
Ao abrir os olhos e fitar seus lábios convidativos, minha mente processou sobre como seria ter lábios quentes, molhados que pareciam macios sobre os meus... Num impulso juntei nossos lábios e o beijei...

Senti sua saliva quente, com sabor de menta e doce, seus lábios macios sugaram os meus enquanto suas mãos apertavam minha cintura.

Quando o ar faltou, nos afastamos e olhei para seus lábios inchados e vermelhos.

Eu beijei um homem!
Gritei internamente.

Eu beijei o filho do meu inimigo, o causador de todo o meu sofrimento.

A Dama De PretoOnde histórias criam vida. Descubra agora