Infinitude

TROVOADA

A chuva cai lá fora
E eu fico vendo – a pela janela,
As gotas escorrendo no vidro
Parecem lágrimas
E junto com meu reflexo
Dão a impressão
De que eu estou chorando,
Às vezes eu choro mesmo,
Mas agora não.
Agora eu apenas olho a chuva,
Escuto seu som,
Sinto seu cheiro
E vôo para longe,
Para meus tempos de criança.

Gostava dos tempos chuvosos,
Meus pais ficavam mais em casa,
Conversávamos,
Eles contavam histórias,
Falavam do seu passado,
Nós adorávamos,
Eu e meu irmão.

Um clarão seguido de um estrondo
Me trazem de volta ao presente,
Mas logo volto ao passado,
Aos dias de trovoada,
Quando via um relâmpago,
Que transformava a noite em dia,
E enfiava a cabeça numa almofada
Para não ouvir o trovão
Que eu sabia
Que viria logo a seguir.
Morria de medo,
Hoje ainda tenho medo.

Outro clarão,
Outro trovão
E eu retorno ao dia de hoje.
A chuva engrossa,
O vento sopra raivoso,
Sacudindo as árvores para lá para cá
E junto com elas minhas memórias.

Penso na minha mãe
E em seu medo das chuvas de vento,
De tudo ela fazia
Para o vento acalmar,
Prato de esmalte na calçada,
Ramo bento no domingo de ramos,
Enganchado na porta dos fundos,
Vela benta no sábado de aleluia, acesa
E oração,
Todo mundo rezava, com medo.

De volta ao presente,
Mais clarões,
Mais trovões,
Muito vento,
Muita chuva,
Muito medo.
Rezo um pouco.

Dizem que sou muito nostálgica,
Que só falo do passado,
Mas que culpa tenho eu
Se tudo me faz lembrar de algo?
Eu gosto de recordar coisas boas.
Me faz bem,
Me ajuda a construir o futuro
E superar as adversidades do presente.

Quanta chuva!
Quase um hora depois,
O vento vira uma brisa
E a chuva uma garoa fina.
A trovoada passa,
Como tudo na vida.

Olho a janela,
Encarando meu reflexo no vidro,
As gotas de chuvas
Continuam a escorrer
Como se meu reflexo chorasse,
Mas ele não chora,
Ele sorri discretamente,
Eu sorrio discretamente,
Como eu disse,
Relembrar me faz bem.