ᛁ Capítulo 4

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Assentado sobre o seu trono de madeira, Odin refletia acerca dos milênios que passaram como um piscar de olhos diante de sua face velha e enrugada. O rei dos deuses vestia-se digno de um guerreiro, pois ele não apreciava coroas nem tampouco longas capas vermelhas. Ele levantou-se firmando os pés calçados com um sandália de couro, e caminhando devagar, desceu seguindo para as grandes portas de ferro.

Empurrando-as com as mãos deparou-se com uma vista estonteante. Via a bifrost, a ponte do arco-íris que era guardada pela casa de Heimdall, a qual a luz da manhã incidia sobre suas cores a tornando brilhante como o sol, além podia contemplar colinas como também planícies verdejantes. Mas nada conseguia preencher o coração de Odin, é como se todo aquele paraíso não fizesse sentido já que o fim de todas as coisas havia alcançado o seu entendimento.

O coração palpitou mais forte, e Odin lembrava de todo o esforço que havia feito até os tempos atuais para retardá-lo. Guerras, intrigas e discussões entre seu clã, ele pode entender que apenas adiantava o destino de um mundo tão cruel criado por ele mesmo com sua família. Ele socou a pilastra da sacada causando uma pequena rachadura; furioso andou pelos corredores da fortaleza com um semblante enraivecido.

Contrito, Odin adentrou sua sala dos despojos de guerras, um lugar feito pelos anões para que o deus pudesse vangloriar-se de suas incontáveis batalhas. Havia crânios de grandes guerreiros gigantes, e muitas armas que gostava de colecionar de seus adversários. As paredes estavam cheias de gravuras de lutas, inclusive do seu maior adversário que pela primeira vez o fez sentir vivo em toda sua vida. Era um lobo gigante de cor escura tendo brilhantes olhos vermelhos, com a boca aberta olhando diretamente para aquele que adentrava o salão.

Odin tocou com a mão um dos seus olhos, o qual tinha uma imensa cicatriz coberta com um tapa olho. Por incrível que pareça ele sorriu ao lembrar do seu rival. Então com as mãos na cabeça cambaleava de um lado para outro assim jogando tudo pelos ares, puxou sua espada e quebrou o baú derramando as moedas pelo chão. De joelhos dobrados socava a superfície para chorar a sua própria desgraça. Vendo sua espada, contemplou o reflexo do seu opróbrio, como também das incontáveis crianças gigantes que assassinou com seu clã, ele lembrava do rosto de cada uma, sim ele se recordava dos seus gritos, das suas mães desesperadas que se lamentavam a perda do seus filhos.

" Eu jurei que iria impedir essa maldição, mas acabei sendo covarde em encarar o meu próprio destino com um guerreiro. Já não tenho esperança se não a morte."- pensou Odin.

Alguns dias passaram quando Odin encontrava-se no caminho dos deuses subindo uma alta montanha. Estava uma nevasca intensa, porém nada poderia impedi-lo de chegar ao seu destino. Vestido de uma capa preta, ele ajeitou o seu velho chapéu cinzento quando então a nevasca aplacou-se revelando uma grande escadaria de pedra, a qual o levaria a árvore da sabedoria, onde só os deuses poderiam sobreviver ao seu enigma.

Odin puxou a sua capa a qual transformou-se em uma lança, logo o seu chapéu converteu-se em um elmo bronze, assim imediatamente suas roupas decrépitas revelaram a cota de malha feita sob um roupão vinho. Sandálias de couro rústicas mostravam que seus pés estavam cansados de antigas batalhas. Enfim o deus subiu os degraus, mas para o fim ou para o começo das coisas?

" Que sensação estranha, eu não sinto medo, estou vendo tudo com mais clareza, e agora o meu pavor está me ensinando o caminho para minha redenção" - pensava Odin.

Depois de uma longa subida, Odin deparou-se com um templo em ruínas. Havia musgo por todo lugar como também enormes raízes que cobriam o teto deslocando-se ao chão. A cada passo escutava as folhas secas quebrando-se, logo lembrou que por ali reunia-se com os deuses antes de suas desavenças, ele então abaixou sua cabeça por um tempo. Subitamente um espírito apareceu, passeando pelo local desmoronando como uma luz de tom azulado, aparentando ser um idoso trajado de uma túnica branca.

— Desde a grande guerra contra Ymir e os outros gigantes não tivemos tempo para conversar, não é irmão — indagou o espírito luminoso.

— Vili, fico feliz em poder vê-lo, mas agora não tenho tempo para conversas alheias. Eu preciso ir até a árvore — apressado disse Odini.

— Ele está sempre ocupado com as questões do mundo como nos tempos antigos não é Vili — ecoou uma voz misteriosa pelo espaço.

Um outro espírito apareceu, dessa vez tinha uma luminosidade esverdeada e o seu aspecto era como um ancião de dias.

— Vê, você também aqui? Como foi que saíram da região dos deuses mortos de Helheim? — Disse Odin.

— Hel parece ter se ausentado do seu trono faz algum tempo, por isso os mortos estão começando a ficar sem um destino, ora os seus cavaleiros não estão conseguindo administrar bem o reino — falou Vê, enquanto caminhava em direção ao seu irmão.

— Isso não é do meu interesse, porém se causar o desequilíbrio no mundo dos vivos, Hel terá que prestar contas a mim, já que eu dei aquele reino para ela quando era uma pobre garotinha — enraivecido disse Odin:

— Eu já disse a vocês que não tenho tempo para conversas inúteis, o destino me aguarda do outro lado — disse Odin.

Odin então deu as costas aos seus dois irmãos procurando o epicentro daquele local. Quando o achou, agachou tirando as folhas com as mãos, viu uma figura como um sol com buraco no meio. Odin fincou sua lança na brecha da figura. No mesmo momento soprou um vento muito forte, a qual fez as folhas o contornarem, dessa forma deixou de ser visto pelos seus irmãos.

O deus encontrou-se em um penhasco muito profundo, ao lado estava uma árvore morta com muitos corvos que começaram a berrar enquanto voavam. Odin moveu os pés que acabaram empurrando algumas pedras que caíram batendo entre as paredes daquele precipício. O deus retirou a corda que estava nas suas costas amarrando-a uma extremidade em um galho. Depois fez um nó de forca com a outra. Colocando o nó no seu pescoço, Odin aproximou-se do despenhadeiro.

" Talvez na morte ela me traga algum significado desse destino que não consigo retardar, quem sabe ela não me livre desse tormento, e dos sonhos que tenho com Baldur, meu filho morto por meu irmão rebelde" — pensava Odin.

Ele atirou-se com toda leveza. Não sentia medo, nem desespero enquanto caía em queda livre até que a corda esticou-se quebrando o seu pescoço na hora. O corpo de Odin ficou inerte balançando de uma lado para o outro, e foi assim por longos dias. Mais aquilo nem de longe poderia matá-lo.

***

Aqueles enormes dentes afiados moíam os galhos que o mantiveram preso por milênios, porém não foram suficientes para conter aquele grande dragão, que parecia um tanto como uma serpente, continuando assim a cuspir fogo para enfraquecer as raízes para então devorá-las. Este era Nidhogg, o devorador de cadáveres, sua pele eram escamas esverdeadas, bem escuras, e tinha dois chifres na cabeça. Os seus olhos eram como chamas de fogo, amarelíssimos. A besta já havia dado muito trabalho para os deuses, e quem a aprisionou nos seus grilhões foi Odin com ajuda de seu escudeiro, o lobo Fenrir, filho de Loki.

Quando o dragão conseguiu colocar a cabeça para fora, com uma de suas patas com enormes garras pontudas, naquele exato momento o céu de Niflheim, o reino das névoas, escureceu começando a trovejar. Dos céus descia uma carruagem puxada por dois carneiros, e o seu montador vestia uma capa marrom cobrindo seu rosto também. A criatura ficou ainda mais arisca soltando labaredas de fogo pelos ares, assim esperando atingi-lo.

O montador então exibiu suas manoplas de ferro que usava para manejar um poderoso martelo. Ele desviou sua carruagem daquela coluna de fogo rapidamente, e em instantes atirou o seu martelo com toda força em direção a cabeça de Nidhogg. O martelo o atingiu com muita força, o jogando para dentro da prisão.

A carruagem desceu até o chão, e aquele guerreiro poderoso ergueu as mãos pelo que o martelo veio voando ao seu encontro. Em suas mãos na posse do Mjolnir ele se preparava para enfrentar o pesadelo dos deuses.

Correntes do Passado - O ErmoWhere stories live. Discover now