Capítulo 14

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Cristiano resolveu ressuscitar sua ideia inicial de estudar no escritório do pai. Eu não reclamei, embora a presença do Dr. Joaquim ainda me cause ataques de ansiedade. Estou me acostumando com o jeito fechado e inflexível de Cris. Ele tem seus momentos de abertura, como no dia em que descobri sua coleção de CDs de rock e na noite em que trocamos mensagens, mas constantemente volta a me tratar de maneira fria, me ignorando quando estamos em público ou cortando alguma pergunta mais pessoal que me atrevo a fazer. Como se existissem dois Cristianos.

Pelas poucas palavras que trocou comigo hoje, percebo que está no modo fechado.

Cris abre a porta do escritório e a segura para que eu entre. Dou um passo à frente e meu queixo cai. É uma sala enorme, com duas janelas com cortinas cor creme cobrindo toda a extensão da parede do fundo, o que confere uma iluminação natural e ampla ao cômodo. A mesa e os móveis são todos de mogno escuro, e o chão é coberto de um tapete com arabescos em vermelho e marrom. Há dois vasos de Costela-de-Adão próximos às janelas, mas o que mais impressiona nesse cenário todo são as estantes de livros que cobrem toda a extensão das paredes laterais. Tem livros de cima a baixo, de todas as formas e tamanhos possíveis, como se quisessem reproduzir a própria Alexandria ali.

— Caramba, isso é o que eu chamo de amor aos livros.

Cris solta uma risada pelo nariz.

— É uma paixão de família. Só Bianca não herdou o gosto pela leitura.

Ele diz isso com uma pontada de decepção na voz, que decido não comentar.

— É impressionante! Seu pai leu todos eles?

— A maioria sim. Mas temos livros aqui suficientes para uma vida toda.

— Agora estou me sentindo muito burro. Os únicos livros que li na vida foram os que fui obrigado pela escola.

O sorriso de Cris aumenta em sua face, deixando à mostra a covinha na bochecha. Eu sorrio de volta, só porque é bom vê-lo relaxado de novo.

— Meu pai diz que não existem pessoas que não gostem de ler, o que existem são pessoas que ainda não descobriram seu gênero ideal de leitura.

Penso sobre isso por um momento e lembro que costumava ler quadrinhos de super-heróis quando era pequeno. Talvez eu devesse tentar um livro mais popular, tipo esses Young Adults que estão na moda hoje em dia. Ouvi dizer que Com amor, Simon é bom, talvez eu comece por ele...

— Acho que seu pai tem razão — digo, puxando a mochila dos ombros. Está tão pesada que é como se eu tirasse uma tonelada das costas. — Tem certeza que podemos usar a mesa dele?

— Tenho — torna Cris, limpando a mesa para colocarmos nossos materiais nela. — Ele foi fazer uma sustentação oral em São Paulo, não volta hoje.

Não faço ideia do que significa fazer uma sustentação oral, mas concordo com a cabeça, porque não quero parecer ainda mais burro do que já sou.

Passamos as próximas duas horas imersos em uma infinidade de fórmulas e problemas de álgebra. Minha cabeça parece que vai explodir de tanto pensar e os números tortos parecem dançar nas linhas do caderno. Mas Cris se mantém firme, o rosto concentrado, a testa franzida e as sobrancelhas juntas. Um irritante paladino da matemática.

Ele parece corado do sol, talvez pelo treino e suas corridas matinais. A covinha não está mais visível. Seus cílios são grossos e curvados. A linha de seu perfil forma um ângulo quase reto entre o maxilar e o queixo. Só percebo que estou encarando quando Cris ergue os olhos do caderno, arqueando uma sobrancelha para mim.

— O que foi?

Solto um suspiro exasperado, erguendo os braços e passando as mãos pelo rosto e cabelos. Não quero nem pensar na bagunça que devo estar parecendo agora.

Quase Sem QuererOnde histórias criam vida. Descubra agora