Quase Louco

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Passaram-se alguns meses. Arrumei um trabalho como contador e consegui me virar muito bem entre o trabalho e os estudos. Eu pretendia entrar para a faculdade de Matemática em breve. Continuei tendo aqueles pesadelos com Jude, e era bem difícil pregar o olho depois deles. Ainda assim, segui minha vida como pude. Passei a tomar calmantes prescritos exclusivamente para mim. Foquei em conseguir a melhor nota e em fazer do meu corpo uma máquina. Sempre arranjava um tempo para me exercitar e tomar ar fresco. A verdade era que, sozinho em casa, pensava muito em Jude. Isso me deixava triste. Apareceram algumas garotas, mas nenhuma tinha o que ela tinha. Preferi me reservar ao direito de ser um solitário convicto.
Eu ainda amava aquela menina.

◆◆◆

-- David, que surpresa! -- mamãe disse, me puxando para um abraço.
-- Calma, Beatriz. Deixe um pouco dele para mim. -- meu pai sorriu, fazendo um sanduíche de nós três.

◆◆◆

-- E os estudos, como vão? -- perguntou meu pai, me passando o macarrão.
-- Vão indo. Tenho certeza que pego uma vaga ainda no final deste ano. -- sorri, colocando um pouco no meu prato e partindo para a travessa com a carne.
-- E essas olheiras, David... noites em claro, com garotas? -- brincou mamãe, me oferecendo um pouco mais de purê.
-- Nada disso. Estudo. Puro estudo. -- rio, e os dois me acompanham.

Nunca pensei que a dor e a distância pudessem me aproximar tanto de meus pais. Quero aproveitar cada segundo ao lado deles. Afinal, nunca sabemos quando nossos melhores momentos serão os últimos.

◆◆◆

-- Que bom que aceitou ficar essa semana aqui, filho. Estávamos morrendo de saudades. -- sorri minha mãe, me passando o lençol.
-- Eu também senti, mãe. -- falo, e ela me dá o último abraço, antes de me deixar sozinho no corredor.
Empurro a porta do meu antigo quarto. Tudo parece como há um ano atrás. A cama, o guarda-roupas, a cômoda e a estante de livros. Tudo ainda tem a minha cara.
Sinto-me em casa.
Deito-me na cama e logo pego no sono. Por incrível que pareça, naquela noite, não sonho com Jude.

◆◆◆

Acordo me sentindo bem, como há tempos não me sinto. Sento-me na cama e dou um bocejo, espreguiçando todo o meu corpo. Me levanto e vou em direção ao banheiro. Olho no espelho. Nunca gostei da sensação de barba por fazer. Pego a lâmina e a deslizo pelas bochechas. Depois, pelo meu maxilar e queixo. Sinto tudo pinicar. Então abro a torneira, e deixo a água jorrar em meus dedos antes de jogar um pouco em meu rosto. Deixo a água escorrer. Pego o sabonete em cima da pia e faço espuma em minhas mãos. Passo nas bochechas e onde mais sinto coçar.
-- Droga.-- digo, e jogo mais um pouco de água.
Então ergo o rosto novamente.
Jude está logo atrás de mim, me fuzilando com seus olhos azuis, pelo reflexo do espelho.

...

Me viro, de supetão. Ela não está lá. Por algum motivo, acredito que ela realmente está naquele quarto comigo.
-- Jude. É você, meu amor? -- falo alto, saindo do banheiro.
Sinto meu coração bater acelerado. A sensação é de voltar de um sonho ruim e finalmente poder respirar aliviado. Vou até a porta e a abro, saindo pelo corredor.
-- Jude? -- rio, descendo até o meio das escadas.
Então dou de cara com meu pai de pijamas, vindo da cozinha. Minha mãe aparece logo depois, e percebo que o café da manhã de hoje será panquecas.
-- David, o que foi? -- ela pergunta, se cobrindo melhor com o robe.
Abaixo o rosto, derrotado. Forço um sorriso.
-- Nada, mãe. Nada.

Nosso Amor Sem FimOnde histórias criam vida. Descubra agora