A menina estava sentada na entrada da pequena caverna, com os olhos fixos no mar. Era um esconderijo, na verdade. Caverna era apenas o apelido que tinham dado ao buraco entre as pedras que arrumaram para se abrigar e descansar por alguns dias.
Se dependesse de Luke, os três seguiriam caminhando sem pausa pelo país até encontrarem o que procuravam – algum lugar que nem eles mesmos tinham certeza do que ou onde era. O garoto cansava-se dificilmente, e conseguia encostar-se e tirar longos cochilos em qualquer lugar em que ficassem parados por mais de dez minutos; isso incluía trens, ônibus, bancos de praça e restaurantes.
Thalia o teria acompanhado, tentando seguir seu exemplo e descansando apenas quando e onde fosse possível. Porém, agora tinham uma companhia. Annabeth tinha apenas sete anos, e, apesar de ser extraordinariamente inteligente e resistente para sua idade, os dois compreendiam que não era certo sobrecarregar uma criança daquela maneira.
Por isso, eles estavam fazendo mais pausas que costumavam. Quando chegaram àquela cidade litorânea, sem dinheiro e nem lugar pra ir, o único local que encontraram foi aquele espaço entre duas pedras, grande o suficiente para que pudessem se abrigar e se proteger da provável chuva por que viria pelos próximos dois ou três dias, apenas para que pudessem renovar forças antes de seguir viagem.
Agora, Annabeth e Luke dormiam tranquilamente sobre um cobertor grosso que ele havia roubado de uma das casas da cidade. Thalia não conseguia explicar exatamente, mas Luke tinha um... dom, se é que poderia chamar assim. Aquilo, Thalia tinha certeza, tinha alguma relação com o pai do garoto. Quando Luke queria abrir uma porta, um cofre ou um cadeado, as fechaduras curvavam-se a sua vontade. Quase como se o obedecessem. Bastava que o garoto encostasse em uma porta ela se abria completamente, permitindo sua passagem.
Thalia achava aquilo fascinante. A opinião dele, entretanto, era divergente. Ele odiava ter que fazer isso, mas aquele dia fora uma questão de necessidade. Luke escondeu-se atrás de um arbusto e esperou por quase duas horas inteiras até que a dona da enorme casa azul saísse para trabalhar em seu Maserati brilhante. Quando o carro virou a esquina, Luke correu até a entrada e tocou a porta, concentrado. Ela cedeu rapidamente, permitindo sua passagem.
Luke estava tão focado em pegar o que precisava e sair logo dali que não parou para reparar a limpeza do piso, a modernidade dos aparelhos eletrônicos e a beleza dos móveis e lustres de cristal da casa. Localizou a cozinha rapidamente e tomou cuidado para pegar apenas o necessário: alguns sacos de biscoito e de pão, uma garrafa de suco de laranja e, só para agradar Thalia e Annabeth, o resto de uma barra de chocolate que encontrou na geladeira.
No quarto da mulher, abriu o guarda-roupa e colocou na mochila alguns suéteres e moletons para os três. Então, escolheu o cobertor mais grosso e enrolou-o, colocando embaixo do braço. Para completar, pegou algumas cédulas que encontrou na gaveta do bidê, certificando-se que seria o suficiente para que sobrevivessem por mais uma ou duas semanas.
Com a mochila nas costas, desceu a escada rapidamente e saiu da casa, trancando a porta atrás de si. Voltou rapidamente para o esconderijo, onde as duas garotas o esperavam com uma certa apreensão e bastante fome. Quando viram o garoto de cabelos loiros correndo em suas direções, ambas abriram sorrisos ao mesmo tempo. Aquilo encheu Luke de uma alegria, garantindo a si mesmo que valia a pena fazer qualquer coisa que pudesse para deixá-las felizes.
Depois de comerem dois pacotes de biscoito e beberem metade da garrafa de suco, ele estendeu o enorme cobertor no chão da caverna e enrolou um dos suéteres para fazer um travesseiro para Annabeth. A garota deitou-se na cama improvisada e aninhou-se. Luke deitou-se ao seu lado, com a cabeça também pousada em um suéter, e começou a contá-la uma história. A menina dormiu antes que ele pudesse concluir. Thalia garantiu-o que poderia dormir tranquilamente – ela cuidaria da entrada. Ele pareceu em dúvida, mas concordou em dormir um pouco depois que ela a prometeu que o acordaria se ficasse cansada.
Agora seu olhar estava perdido no mar, os pensamentos longe dali. De tempos em tempos, virava-se para observar o garoto e a garota que dormiam com as expressões tranquilas no fundo da caverna, como se para conferir se eles ainda estavam ali, em segurança.
Thalia sentia certo medo de perdê-los. Nunca em sua vida até aquele momento ela havia se apegado a alguém, e nunca tivera alguém que desejasse tanto proteger. Ela havia encontrado tudo que precisava naqueles dois – principalmente nele— e a assustava saber que, em seu estilo de vida insano, nada era estável. Até mesmo a pequena família que havia construído com eles estava ameaçada e poderia desfazer-se a qualquer momento.
Um nó formou-se na garganta de Thalia apenas por imaginar tal situação.
"Thalia?"
Era Luke. Havia acordado e estava sentado no chão, observando a garota alguns metros à sua frente. Ela tentou amenizar a expressão com um sorriso forçado.
"Estou ótima", garantiu, forçando o nó em sua garganta a desfazer-se.
"Não soou muito convincente."
Ela olhou para baixo, desfazendo o sorriso. Luke aproximou-se arrastando-se e sentou ao seu lado.
"O que foi?", ele perguntou gentilmente, puxando o rosto de Thalia e fazendo-a encará-lo. "Você sabe que pode me contar tudo."
O nó voltou à sua garganta, agora duas vezes maior. "Eu estou com medo", ela confessou em um sussurro quase inaudível. "Você é tudo que eu tenho."
"Está tudo bem", ele assegurou, envolvendo-a com seus braços. Ela suspirou longamente, abraçando-o de volta. Fechou os olhos e inspirou. O cheiro familiar de Luke preencheu seu nariz, fazendo-a sentir-se um pouco mais calma. "Vou ficar com você", ele continuou. "Eu prometo".
Ela enterrou a cabeça em seu ombro. Aquilo era o suficiente por enquanto.
"Obrigada."
Ficaram assim por mais alguns segundos, em silêncio, até Luke quebrá-lo, afastando-se delicadamente da garota.
"Agora vá deitar. Eu fico de guarda"
"Não, está tudo bem", ela certificou-o. "Eu aguento mais algumas horas."
"Você precisa descansar", discordou. "Por favor."
Thalia apenas assentiu com a cabeça, rendendo-se à insistência do garoto. Deitou-se aonde ele estivera minutos atrás, ainda olhando-o.
"Estarei bem aqui quando você acordar", ele garantiu.
Thalia sorriu. "Eu sei."
E fechou os olhos.
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Família, Luke
Romance"O rosto dele contraiu-se em uma dor tão intensa que até ela pôde sentir. Havia um laço entre eles, um laço criado há seis anos, quando eram crianças correndo pelo país em busca de proteção. Um laço que fazia com que ela sorrisse quando ele gargalha...