VIII - Thalia

93 7 3
                                    

Ela era imortal. Ele estava morto.

Talvez alguns meses atrás ela não teria suportado o vento que batia forte em seu rosto. Mas algumas coisas tornaram-se diferentes quando decidira se juntar à Caçada. Ela era mais forte, com certeza. Mais resistente ao frio e ao calor. Podia caminhar e combater monstros por horas sem nem ofegar.

Fisicamente, ela nunca se sentira melhor. Psicologicamente, não se podia dizer o mesmo.

Tudo o que Thalia realmente desejava que tivesse mudado quando se juntara a Ártemis continuava igual: as lembranças nítidas, os sonhos perturbadores, os pensamentos que insistiam em tomar sua mente toda vez que fechava os olhos. Já se passavam meses desde sua morte e ele ainda estava por toda parte.

Não havia como escapar da presença dele.

Sentada no galho alto da árvore acima do acampamento das Caçadoras, ela suspirou pesadamente, olhando para o mar. Estivera naquele mesmo lugar há tanto tempo, com Luke e Annabeth, fugindo de monstros. Provavelmente, se descesse e caminhasse alguns metros pela beira da praia, encontraria abandonado o esconderijo precário que fizeram há seis anos.

Ela lembrou-se de quando aquela enorme estátua de mármore – maldita seja a Rainha Hera – caiu sobre suas pernas, imobilizando-a pateticamente a algumas dezenas de metros da Sala dos Tronos, onde Luke se suicidou para salvar aos deuses e meio-sangues.

Não pôde evitar pensar o que teria acontecido se estivesse ao seu lado na hora. Ela sabia que, se realmente quisesse, poderia ter chamado por ajuda e saído debaixo da estátua. Poderia ter ido de alguma forma até onde Luke estava e ter ficado ao seu lado enquanto ele se sacrificava para morrer como um herói.

Mas ela tinha sido covarde demais. Ao invés de fazer o que deveria ter feito, deixou que Percy e Annabeth o enfrentassem sozinhos, enquanto ela esperava o desfecho, imóvel.

Tudo isso por medo de encará-lo mais uma vez. De passar novamente pelo sofrimento que havia passado na última vez que o vira, no topo do Monte Otris, quando o chutara penhasco abaixo.

Quando se tratava de Luke, Thalia tornava-se fraca.

E esse era um dos principais motivos que se juntara a Caçada. Era duro admitir, mas Percy era muito mais convicto do que ela em relação ao lado em que estava. Sabia que o filho de Poseidon era, dentre os filhos dos Três Grandes, o que teria menos dúvidas ao tomar a decisão que causaria ou não a destruição do Olimpo. E, em mais uma atitude covarde, ela passou a responsabilidade de ser a criança da profecia para ele, porque temia que pudesse mudar de idéia se visse Luke novamente.

E, é claro, Thalia esperava que ao tornar-se uma Caçadora, todos os fantasmas do seu passado desapareceriam. Mas isso não aconteceu. Ela ainda sonhava todas as noites e, muitas delas, acordava com as lágrimas já rolando por suas bochechas.

Como na noite anterior. Ela sonhara que era Luke, mergulhando em algo ácido que queimava a sua pele e causava uma dor enlouquecedora. Uma sensação sufocante tomava seu corpo, e, queria perder os sentidos ou morrer – qualquer coisa que interrompesse aquela dor insuportável. Quando estava prestes a desistir, a parar de lutar e ceder, olhou para cima e enxergou a si mesma, com Annabeth alguns passos atrás. Observou enquanto sua imagem estendeu a mão e agarrou-a. Como se o ácido a sua volta repentinamente se tornasse neutro, foi puxada para cima por si mesma, vendo-se de repente na beira do rio negro em que estava mergulhada segundos atrás. Com um sobressalto, ela sentou-se no colchonete dentro de sua barraca, voltando à realidade, assustada. Compreendera tudo: sonhou com o momento em que Luke mergulhara no Estige e, com um aperto no peito, entendeu que era a lembrança dela e de Annabeth que o manteve fixo ao mundo real.

E ela ainda lembrava-se das palavras de Annabeth. Elas observavam, lado a lado, enquanto a mortalha de Luke queimava lentamente. Annabeth, que ficara quieta o tempo todo, finalmente quebrara o silêncio entre as duas.

"Você e Luke. Seus destinos ainda estão traçados", dissera com convicção sem tirar os olhos da fogueira a sua frente.

"Do que você está falando?", Thalia franziu as sobrancelhas, observando a expressão misteriosa da loira.

"Antes de...", ela limpou a garganta, forçando a voz a sair de maneira firme. "Bom, ele disse que iria renascer. Tentar a Ilha dos Abençoados."

Thalia permaneceu calada, escutando. Annabeth não a olhou.

"Quando ele finalmente voltar para cá, para o mundo dos mortais... eu possivelmente já vou estar morta. Nunca mais vou vê-lo; ele se foi para mim."

A filha de Zeus moveu-se desconfortavelmente, voltando os olhos para o corpo em chamas de Luke. Ela entendia aonde a amiga queria chegar; não fazia sentido.

"Mas você, Thalia, congelou no tempo. Vai ser assim sempre. E quando ele voltar, você ainda estará exatamente igual, e com os mesmos sentimentos, a mesma dor. Isso não vai passar. E eu tenho certeza que os dois vão encontrar-se novamente... e só quando isso acontecer você vai estar livre para realmente seguir sem Luke."

Thalia fechou os olhos. Um nó se formou em sua garganta. Tudo que Annabeth estava falando condizia com um sonho recorrente que surgia quase todas as noites, há meses.

"Absurdo", balançou a cabeça, mesmo sabendo que não havia sido convincente. A loira ao seu lado massageou as têmporas.

"Você sabe que não é."

Ela realmente sabia.

De cima da árvore, Thalia olhou para baixo, para o acampamento onde Ártemis e as Caçadoras dormiam tranquilamente dentro de suas barracas. Fechando os olhos, fez uma prece silenciosa, inclusive à sua senhora, esperando que ela pudesse entender seu pedido.

Deixem-me vê-lo mais uma vez, por favor, pediu com toda a fé que pode reunir. Uma última vez.

Ela sabia, e onde quer que ele estivesse, ele sabia também. Quando ela caísse em batalha, Luke estaria esperando-a nos Campos Elísios. 

Família, LukeOnde histórias criam vida. Descubra agora