Família, Luke

VII - Thalia/Luke

"Lute comigo!" ela ouviu sua própria voz quebrar enquanto gritava, tomada de fúria. Sua lança faiscava em azul elétrico apontada para o peito do garoto a sua frente. Ele mantinha os olhos colados nos dela e a espada na mão direita, mas não conseguia levantá-la e apontá-la para Thalia.

"Não" ele declarou firmemente, sem hesitar, sem tirar os olhos da garota. Ela tremia e lágrimas escorriam por suas bochechas, tamanha sua raiva e tristeza. Os músculos de Luke estavam tensos e ele tentava manter uma expressão firme, mas Thalia podia ver a tristeza em seus olhos quando ele franzia as sobrancelhas involuntariamente.

"Covarde!" ela gritou de volta e apertou mais a lança. Levantou Aegis com o braço esquerdo, esperando que Luke a atacasse, mas ele apenas desviou o olhar e engoliu em seco, a tristeza agora clara em seu olhar.

"Não" repetiu ele. "E você também não vai me machucar."

"Está duvidando?" Thalia desafiou, desta vez com um sussurro furioso. Luke balançou a cabeça, examinando Thalia com um olhar carregado de dor, como se estivesse procurando a garota de doze anos que costumava lutar contra monstros ao seu lado.

"Você fez uma promessa."

Thalia hesitou por um segundo, olhando para baixo. Porém, seus músculos enrijeceram e seus cabelos arrepiaram-se devido a eletricidade que irradiava de seu corpo e, quando ela voltou seu olhar novamente para Luke, ele pode ver o ódio queimando em seus olhos azuis como o céu.

"Promessas? De que elas importam?!" Thalia cuspiu, sua voz aumentando a cada palavra. "Você prometeu que ficaríamos juntos, e veja só onde está agora!"

"Você não vê?!" Luke rebateu no mesmo tom. "Eu fiz tudo isso para que você pudesse sair daquela porcaria de árvore! Para que nós pudéssemos ficar juntos outra vez!"

Thalia baixou o escudo e a lança e as lágrimas escorreram como uma cachoeira pelo seu rosto, pingando na gola de sua blusa preta. Ela desviou o rosto, tentando esconder-se, mas foi inútil. Ele queria avançar e abraçá-la como faria seis anos atrás, mas algo o deteve. Não tinha mais 14 anos. O gesto não seria recebido do mesmo jeito.

Luke engoliu em seco antes de continuar, desta vez com a voz mais suave. "Se você se juntasse a mim, não precisaríamos mais correr. Seria como nos velhos tempos, mas desta vez, não fugiríamos. Nós seríamos poderosos. Mais que os deuses."

Thalia o encarou como se considerasse a idéia. Como se tudo que queria era acreditar nele. E por um segundo, apenas um segundo, ela imaginou-se ao seu lado. Então balançou a cabeça, afastando os pensamentos de sua mente.

"Não posso. Não posso fazer isso. Sinto muito."

O rosto dele contraiu-se em uma dor tão intensa que até ela pôde sentir. Havia um laço entre eles, um laço criado há seis anos, quando eram crianças correndo pelo país em busca de proteção. Um laço que fazia com que ela sorrisse quando ele gargalhava e que fazia que ele sentisse uma angústia imensa quando ela chorava. Um laço que o impedia de apontar a espada para ela, assim como a impedia de atravessá-lo com sua lança. Um laço que fazia com que lembranças invadissem a mente de ambos quando fechavam os olhos e que fazia que procurassem um ao outro no escuro de seus quartos.

Thalia acabara de romper esse laço.

Ele a encarou. Sentiu as mais variadas emoções fervilharem debaixo de sua pele, correndo por seu sangue: decepção, raiva, medo, tristeza. Principalmente tristeza. Um nó formou-se em sua garganta e Luke engoliu em seco tentando controlar-se, mas as palavras escaparam de sua boca antes que ele pudesse pensar nas conseqüências de seus atos.

"Você não se importa realmente" ele falou trincando os dentes. "Não se importa com tudo que eu fiz para salvá-la. Não se importa com o que eu sacrifiquei por você, não se importa com o quanto eu sofri."

O choque atravessou o rosto da garota. Ela abriu a boca para falar alguma coisa, mas Luke foi mais rápido.

"Eu devia ter deixado seu espírito apodrecer naquela árvore."

Pela primeira vez em sua vida, ele estava sentindo raiva de Thalia. Ela notou aquilo, e foi como se alguém estivesse enfiando a mão em seu peito e arrancando seu coração sem piedade. Lágrimas encheram seus olhos novamente, forçando-a a piscar diversas vezes. Ela arruinara a última chance de salvar Luke. Era tudo sua culpa.

Luke fitou-a com os olhos queimando de ódio pela última vez, então virou-se e começou a afastar-se. Thalia queria gritar, ou correr atrás dele e implorar por perdão, mas parecia não ter mais controle de seus membros. Não conseguia fazer sua boca abrir. Não conseguia mover as pernas para frente. Uma angústia tomou seu corpo enquanto ela observava impotentemente Luke sumir nas sombras. Ela precisava ir atrás dele, mas algo a estava mantendo no lugar, impedindo-a de mover-se.

Thalia forçou, tentando soltar-se, mas quanto mais tentava livrar-se do que quer que fosse que a segurava, mais as sombras a sua volta avançavam, tentando alcançá-la. Em uma explosão silenciosa, o chão sumiu debaixo de seus pés e ela viu-se caindo em um abismo sem fim; ouviu um grito alto e agudo, e assustou-se ao notar que viera de sua boca. Thalia tentou agarrar-se em algo, mas não havia nada em sua volta. Apenas escuridão.

"Obrigado, Thalia Grace" uma voz fria como uma faca raspando contra a pedra invadiu sua mente, fazendo sua barriga contorcer-se e seus punhos cerrarem. "Agora eu o tenho e ele vive apenas ao meu serviço."

Não!, Thalia queria dizer, mas o medo a impediu de fazer qualquer coisa que não fosse gritar o mais alto que seus pulmões permitiam.

Uma risada cruel tomou todo o abismo. Ela levou a mão aos ouvidos, tentando livrar-se do som, mas a risada continuava a ecoar em sua mente, antiga e malvada.

Um clarão cortou o céu, seguido por um estrondo que fez com que as janelas do chalé 1 tremessem. Thalia sentou-se na cama, assustada, completamente desperta. Passou a mão na nuca; apesar do frio invernal, seus cabelos grudavam no rosto devido ao suor.

Ela só notou que estava chorando quando as lágrimas começaram a pingar em seu pijama. Desta vez, não tentou impedi-las; simplesmente deixou que elas escorressem por seu rosto e encharcassem sua roupa.

Thalia sabia que aquilo não havia sido apenas um sonho. Era um aviso.

Ela o havia perdido.