Capítulo 1

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     Anthony Quincey chegava para mais uma reunião do Concílio. Era a quinta só naquele mês. Evelyn havia se superado. Em geral, os Guardiões enviados aguentavam, no máximo, um mês, alguns conseguiam a proeza de durar mais. Que a verdade fosse dita, nos últimos dez anos, somente um deles resistira até o trigésimo segundo dia. Mas, ela havia conseguido afugentar dois em uma única semana. A cabeça dele já havia começado a latejar em antecipação ao que viria daquela reunião. Aquela definitivamente seria uma das cansativas e, certamente, duraria horas.
     Como de costume, já estavam todos presentes. Quincey sempre se perguntava como aquilo era possível, pois sempre chegava mais cedo e, independente do horário, os parlamentares já estavam em suas cadeiras. Quando mais jovem, havia cogitado a possibilidade de que aqueles homens dormiam no Concílio, mas depois de uma reunião particularmente longa, que ocorrera pouco depois do nascimento de Evelyn e o anúncio de que a Herdeira do Mundo Escondido retornara, ele e os parlamentares foram embora juntos. E sua teoria desmoronou. Desde então, parara de tentar encontrar uma justificativa para a presença quase onipresente dos membros do Concílio.
Com um suspiro, Quincey abriu as portas duplas e adentrou o grande salão. Como de costume, encaminhou-se para o seu assento e cumprimentou os parlamentares que já estavam, todos, presentes com um aceno de cabeça. O formato oval do recinto fazia com que, quando havia um julgamento, o acusado se visse cercado por todos os membros da Corte de Justiça. Na primeira vez em que estivera neste lugar, quando fora nomeado Comandante da Guarda da raça dos vampiros, ele próprio quase hiperventilara diante dos olhares de todos os membros do Concílio. Quincey sempre se considerara um macho calmo e acreditava que nada abalaria seus nervos de aço, porém, no instante em que pisou no salão, seus joelhos ameaçaram não conseguir sustenta-lo por mais um único segundo.
Agora, depois de dois séculos nessa posição, não ficava mais nervoso ao entrar naquela sala. Mas sentia pena daqueles pobres coitados que eram chamados para encarar os parlamentares, por qualquer motivo que fosse. Até mesmo seu primo, que ele sabia que não se sentia intimidado por ninguém, enrijecia ao entrar ali. A única excessão fora Evelyn. A jovem entrara como um vendaval na sala. De ombros eretos, postura altiva e um desinteresse que poucos teriam coragem de sequer pensar ao estarem na presença do Concílio. Ela encarou a seção com grande desenvoltura. Na verdade, fora ela quem ditara o curso da seção. E, mais uma vez, estavam ali para discutir a respeito da segurança dela. O único problema era que a própria Evelyn não parecia preocupada com o enorme risco de vida que corria desde dera seu primeiro suspiro.
Uma vez em seu assento, Quincey esperou que dessem início à reunião. Ainda faltavam dois minutos e os parlamentares tinham a péssima mania de fazer tudo dentro do tempo certo. Jamais adiantavam, jamais atrasavam. Nas primeiras seções, ele ficava inquieto, girando a caneta entre os dedos. Depois da quinta, já chegara resiliente, pois sabia que de nada adiantaria a sua agitação, a não ser deixá-lo ainda mais agitado.
    Com um pigarro, o Chanceler, que era sempre o vampiro mais velho do Concílio, tomou a fala:

– Declaro aberta esta seção. – então, virou-se para o escrivão – Qual a ata?
– Um novo Guardião para a Herdeira – declarou o macho.

Evelyn era sempre tratada como "a Herdeira", nunca por seu nome. Ela já tentara ser chamada de qualquer outra coisa, inclusive pirralha, durante suas seções, porém era apenas por seu título que era reconhecida. Ele era a única coisa que importava para aqueles vampiros e para qualquer outro membro da alta classe dos seres mágicos. Exceto pela família real dos feiticeiros.

– De novo – suspirou o Chanceler e um muxoxo coletivo se fez audível
– Quando ela parar com um Guardião podemos considerar um milagre – comentou o vice chefe do Concílio, o vampiro que era somente mais novo que o Chanceler e seria aquele que o sucederia no futuro longínquo
– Ainda existem Guardiões que querem encarar a tarefa? – indagou um dos parlamentares
– A grande maioria ainda acredita na honra deste dever. – Quincey tomou a fala.

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