O que não te mata #1

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Assim que cruzo a porta do apartamento, tiro os sapatos e desfruto da deliciosa sensação de sentir os pés no chão. Caminho até a cozinha, encho a chaleira de água e levo ao fogo. Preciso de um chá. Enquanto aguardo, penso na terapia. Hoje foi minha terceira sessão, e estou adorando.

Nessas três primeiras consultas, a Alice, minha psicóloga, me fez falar muito sobre meu passado, meu presente, minha dor, meus dramas, minha família. Pelo que entendi, estamos montando uma espécie de quadro geral, de entendimento da minha história. Ela chama isso de anamnese e diz que é importante para que possamos compreender meu comportamento no presente. Como ela mesma diz, o todo é maior do que a soma das partes.

Tem sido uma viagem. Metafórica e literalmente. Afinal, o consultório da Alice é em Novo Hamburgo. Mas os quarenta quilômetros que separam Porto Alegre da cidade no Vale dos Sinos têm servido para momentos de muita reflexão, introspecção e insights. Nas poucas, mas sempre ricas idas e vindas, sinto que começa a despontar uma nova compreensão das escolhas confusas que eu vinha fazendo.

— Babi, uma grande mudança nada mais é do que o somatório de pequenas ações. Podem ser mudanças de pensamentos, sentimentos e/ou comportamentos que gerarão, em conjunto, um resultado maior. Por isso, a psicoterapia é uma excelente alternativa para viver melhor e ser livre dentro de si, a quem se dispõe a investir nesse trabalhoso e rico processo de mudança.

Sim, hoje faço parte das pessoas dispostas a investir para mudar. Eu preciso. Ou melhor, eu quero, com todo o meu coração.

A água chia. Desligo e preparo o chá de camomila. Deixo na infusão. Enquanto espero, relembro a primeira consulta com minha psicóloga.

Loira, cabelos longos e lisos, olhos azuis e um sorriso largo no rosto, Alice transmite uma deliciosa leveza com a vida, como a borboleta que estampa o seu cartão de visitas. Dona de muita sensibilidade e empatia, usa e abusa de ambas, junto com o vasto conhecimento adquirido em livros, cursos, especializações e, é claro, na prática com os pacientes.

Seu consultório, sem jeitão algum de ambiente médico, mais parece a sala de uma casa, refletindo bem o espírito afetivo e a criatividade de sua dona. Três poltronas bordô de sala de estar ladeiam um sofá de tecido preto com poá branco. Nele, uma almofada com formato de braços abertos me recebe a cada nova semana.

— Para que todos se sintam acolhidos — contou Alice.

Sobre a pequena mesa redonda branca de centro, com pés finos e absolutamente vintage, há duas térmicas com chás, feitos com ervas como lima com erva-doce, laranja com anis e maracujá, tudo diretamente do jardim da casa de Alice. A garrafa de cor vermelha é a minha predileta, pois oferece a bebida quente. Na azul, o chá é frio, para os dias de calor no verão. Uma caixa com lenços de papel também fica sobre a mesa.

Em um canto, uma geladeira desativada com design da década de 50 guarda em seu interior muitos livros, e deixa o ambiente ainda mais retrô. Tanto quanto o lúdico lustre em formato oval, com um lindo bordado colorido em seu entorno, acompanhado por delicadas borboletas e flores douradas, a ele costuradas, e por mais alguns penduricalhos de tecido que caem suspensos dele.

Nas paredes, chamam atenção os quadros com fotos, frases ou imagens, todos fazendo referência aos temas que Alice aborda em sua psicoterapia. O consultório tem, ainda, um recanto mais escritório, com mesa e prateleiras repletas de livros e canetas coloridas, uma pequena fonte cujo som da água correndo muito me relaxa, além de vasos de plantas e um aromático arranjo de flores naturais, que Alice troca todas as semanas.

Na primeira consulta, eu me inebriava com o perfume de lírios brancos, enquanto Alice dialogava comigo sobre a dinâmica da psicoterapia.

— Quando um paciente chega para a psicoterapia, Babi, ele tem uma queixa como a tua. É preciso compreender, contigo, como ela se construiu e por que ela existe no teu aqui e agora. Conhecer o teu temperamento, a tua história de vida, Babi, teus aprendizados, modelos familiares, interação com o meio, religião e cultura é a matéria-prima que uso para isso. E também é o que vai permitir que tu te dês conta das variáveis da tua história e das ações que foram responsáveis pela construção daquilo que te incomoda.

Ouvi-la falar parecia fazer tudo tão simples, que questionei, com certa incredulidade:

— E entender é suficiente, Alice?

— Quem dera fosse! Depois disso é que arregaçamos as mangas, determinamos o foco e começamos a trabalhar, Babi. Costumo dizer aos meus pacientes que cada um deles chega à terapia como uma caixa de ferramentas metafórica. Precisamos saber o que tem nessa caixa. O que dela podemos usar para resolver a queixa, o que é inútil e vamos descartar e quais ferramentas é preciso acrescentar. É com elas que construiremos as mudanças necessárias.


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Num Sofá de Bolinhas - Amor & TerapiaOnde histórias criam vida. Descubra agora