Pra quê #1

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Segunda-feira, meio-dia. Me sinto exatamente como o trecho da BR 116 que atravesso, a caminho do consultório de Alice: nervosa, tensa, abarrotada, congestionada. E pensar que todo esse desconforto se iniciou com uma reflexão na nossa última consulta.

Aliás, é incrível como um questionamento, uma perguntinha aparentemente despretensiosa, pode ampliar ou até mudar a nossa forma de ver as coisas, não é? E na busca de respostas, construímos entendimentos mais profundos acerca do que nos questionamos. Como a que iniciou nossa última consulta, por exemplo.

— Em que aspectos tu achas que as personalidades dos teus pais se cruzam com as personalidades dos homens que foram importantes na tua vida?

A resposta para essa pergunta me pareceu clara como cristal, afinal já havíamos dialogado sobre as histórias minha e de minha família. E eu já havia compreendido o quanto eu estava repetindo padrões familiares em todas as esferas da minha vida. Em especial, nos relacionamentos.

Assim, entendi que a ânsia por afeto e validação fez com que eu abrisse mão da minha voz, das minhas necessidades, de mim. E me levou a aceitar qualquer migalha de amor, perpetuando meu modus operandi com minha mãe. E, tal qual meu pai, todos os meus parceiros eram homens pouco disponíveis afetivamente.

Aliás, naquela consulta, também ficou claro o quanto eu reproduzia, à minha maneira, o modelo de relação sem troca afetiva profunda, mas como um escambo de benefícios, protagonizada pelos meus pais.

Vinda de uma família humilde, Dona Adriane nunca escondera que sempre havia sonhado com uma vida repleta de mimos e luxo. Razão pela qual casou com meu pai. Como mãe, ela sempre priorizou as próprias necessidades e nunca soube dar colo ou acolher a mim e ao Bruno. Sempre tive a impressão de que Dona Adriane teve filhos porque era uma espécie de acordo silencioso estipulado no casamento com o pai.

Bem, pelo menos no que se refere a mim.

Me lembro das vezes que a ela recorri, em busca de colo ou conselho, e que acabei ganhando algum tipo de prêmio consolação, dinheiro e incentivo para viajar ou comprar algo novo e, com isso, esquecer meu problema. Já o Bruno, ela sempre idolatrou e adorou, como se fosse o sol de sua vida.

Desligo o ar-condicionado e abro a janela. Quero sentir um pouco de vento. Deixo entrar a brisa deliciosa do inesperado veranico naquele início de tarde de agosto, enquanto me preparo para responder à pergunta feita por Alice ao final da última sessão e que não se calara ao longo de toda a semana:

— Babi, como seria, então, o relacionamento que realizaria as tuas necessidades? O que, dos antigos relacionamentos, tu gostarias de manter e que outros aspectos tu gostarias de acrescentar? Do que tu precisas?

Eis aí algo que também quero saber, reflito, enquanto manobro o Mini no estacionamento em frente ao prédio de minha terapeuta.

Alice me recebe com seu sempre sorriso, e, sem demora, me jogo no sofá de bolinhas, me enrolo no abraço e expresso as divagações que me acompanharam até ali.

— Babi, tu foste muito perspicaz em teus entendimentos na última consulta. Conseguiste compreender as tuas escolhas de parceiros costurando esse entendimento com tuas referências familiares. Acho que avançamos bastante.

Esboço um sorriso e me aconchego mais no abraço, faceira pelas palavras, enquanto a psicóloga segue.

— Terminei a consulta te perguntando sobre que tipo de relação satisfaria as tuas necessidades. Mas sinto que ficou faltando uma peça e quero construí-la contigo antes de avançarmos nessa direção. E creio que um bom caminho para isso é uma daquelas perguntinhas básicas: pra quê? Então, qual é a função de escolheres pessoas com essas características? Que lado teu se realiza com isso? Quais são os teus ganhos? Em resumo: pra quê?


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Num Sofá de Bolinhas - Amor & TerapiaOnde histórias criam vida. Descubra agora