Pra quê #2

2 0 0
                                    

Pra quê? Penso, penso e penso. E nada surge. Mas então arrisco um caminho que desponta. Sem muita convicção, proponho baixinho:

— É o que eu aprendi? É o que conheço? É como sei agir? Pode ser?

— Interessante... Sabe, Babi, muitos estudos da psicoterapia de família dizem que o casal é o arquiteto da família. É com nossos pais e neste microuniverso chamado família de origem que aprendemos como o mundo funciona. O que é ser homem, o que é ser mulher, o que é um casamento, como se demonstra afeto, como comunicamos contrariedades, como se vê o mundo do trabalho...

Alice faz uma pausa e, então, segue com seu raciocínio.

— Enfim, através do que observamos e da forma como nossas necessidades infantis são amparadas por nossos cuidadores durante nossa primeira infância, vamos construindo nossa noção de mundo. Provavelmente por isso é comum que filhos de famílias com relações pouco funcionais, no momento de escolherem seus parceiros, refaçam o mesmo cenário.

Como compreendo isso! Penso com meus botões, enquanto Alice segue abrindo meus horizontes.

— Ou, ainda, encontrem-se em relações amorosas que não satisfaçam suas necessidades emocionais, como amparo, amor, segurança, cuidado, confiança, lealdade. Muitos estudiosos sugerem que essa "escolha" pode ser uma tentativa de tentar resolver o que os pais não fizeram, ou também uma tentativa de buscar na relação adulta tudo o que a criança não recebeu lá atrás... Isso não é uma regra geral, Babi, até porque elas não existem. Mas é algo bastante comum. Tu achas que isso tem a ver contigo?

Sim, para minha tristeza, tem tudo a ver.

Definitivamente, dialoga comigo. Não há como discordar.

— Nossa, Alice! Tem, sim. E muito! Como é que eu nunca tinha percebido isso? Caracas! Meu ex-marido e o próprio Rô, com quem vivi maior intimidade, foram tentativas de mudar, mas que não deram certo.

— E tu achas que alguma parte deste modelo nó, tu conseguiste desatar através das reedições de cenários?

Diante das palavras de Alice, uma luz acende e reajo.

— Eu não tolerei a traição do Rafa, a exemplo da mãe com o pai. E, para horror dela, me separei e nunca escondi de ninguém que fui chifrada pelo meu ex. Aliás, sempre falei abertamente sobre isso.

— Ótimo, Babi! E como te dar conta disso te faz sentir?

Olho para a psicóloga e não sei o que dizer. Uma mistura de alívio e orgulho se mescla à tristeza que a lembrança daquele fim trouxe a tudo que o casamento representava em minha vida. Com a voz embargada, digo:

— Sim, Alice, tal qual meu pai foi uma tábua de salvação para minha mãe diante da escassez de recursos e da pobreza, o Rafael foi a minha na busca do afeto de Dona Adriane.

Sem conseguir mais conter, sinto as lágrimas escorrerem em meu rosto. E minha psicóloga apoia e incentiva o meu desabafo.

— Bota pra fora esse choro. É bom. Eu gosto de todas as tuas emoções.

Estico um braço em direção à mesa, em busca da caixa de lenços de papel, enquanto Alice espera pacientemente que os sentimentos aquietem. Olho, então, para ela e murmuro:

— Me enche de orgulho não ter aceitado ficar em um casamento emocionalmente decadente com o Rafa só para manter o status quo. Mas também me sinto vazia, oca, devastada, Alice. E consternada, por compreender o quanto esmolei afeto dos meus ex...

Um soluço me interrompe, e espero o choro acalmar para finalizar.

— É como se eu não tivesse valor algum e aceitasse qualquer demonstração de afeto, Alice... Muito triste isso, né? — digo, ainda engasgada com o nó de sentimentos que me toma.

Num Sofá de Bolinhas - Amor & TerapiaOnde histórias criam vida. Descubra agora