Capítulo Dois - A Sombra no Jardim

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"He told me I belong in a churchyard
He told me I could walk away but I wouldn't get far
Tell me, how do people know what is hurt, what is love?
He told me I belong in a churchyard" - AURORA.

Sobreviver uma noite fora da torre ainda parecia irreal demais para mim. Mas eu precisei me convencer de que tudo estava realmente acontecendo.

O sol no meu rosto quando abro os olhos foi o melhor sinal disso. Me arrasto pela grama baixa e me dou conta de que ainda estou muito perto da segunda torre. Há um jardim que rodeia todo o território espaçoso, com flores coloridas, roseiras brancas e vermelhas, uma pequena fonte de pedrinhas juntas umas nas outras cuidadosamente de onde jorra uma água cristalina. Vou até a fonte, me esgueirando para não ser vista; o céu está limpo e posso ver se alguma coisa me observar de qualquer direção. Antes de lavar o rosto, me viro para encarar o alto da torre, a única janela está fechada. Ela pode estar dormindo, ou talvez nem esteja ali.

Seria azar fugirmos no mesmo dia. Isso não poderia acontecer de forma alguma, embora eu seja uma pessoa que parece ter todo tipo de má sorte no sangue.

Junto as mãos na água fria e limpa; uma mancha vermelha se dissolve. Sangue. Tenho um corte em um dos dedos, nada grave, mas arde e libera mais sangue conforme vou esfregando uma mão na outra. Isso não é bom. As gritadeiras foram feitas a partir de gotas do meu sangue e por isso elas podem me sentir a longas distancias apenas se eu derramar uma misera gota. Um presente do meu pai, que ao completar seis anos, levou um estranho ancião para a minha torre e o fez criar aquelas coisas para que nunca me deixassem escapar. Anos depois, perguntei a ele por que não chamava o ancião novamente para quebrar a maldição. Não tive uma resposta até descobrir por conta própria que a maldição é inquebrável. O tempo passou e agora estou aqui, do outro lado da cidade, bem embaixo da torre da outra garota. Tudo desse lado é mais limpo, sofisticado. Ela tem um jardim com rosas, uma fonte de água limpa. E eu tinha criaturas bizarras no meu encalço.

Lavo o rosto e aproveito para matar a sede.

Pouco tempo depois, ouço alguém se aproximando. Fico agachada atrás da fonte e regulo minha respiração ofegante. Quando ergo a cabeça sobre as pedrinhas, vejo uma garota de pele marrom claro se aproximando. Ela usa botas pretas, calça escura e uma blusa de manga longa também preta. A garota tem um corte de cabelo muito curto. É a primeira vez que vejo uma mulher com aquele tipo de cabelo. Ela anda com uma expressão aborrecida e chuta a grama por onde pisa. É ela. A garota que vive na segunda torre.

Meu coração acelera no instante em que essa constatação me vem. Me abaixo contra o chão e vou desviando da direção em que ela vai passar. Posso ouvir os passos pesados se aproximando.

Não sei o que posso fazer a não ser fechar os olhos. Como a maldição será liberta? Ninguém nunca me falou sobre isso, talvez para me prevenir do terror que seria esse momento, mas só piorou o meu lado. Temos que olhar uma para a outra? Conjurar palavras malditas? Tem que ter alguma coisa que sinalize a chegada dessa maldição. Nada me vem à mente.

Ela passa por mim como uma ventania e não me ver, encolhida em seu jardim, tremendo violentamente contra qualquer vontade.

A garota tira uma chave do bolso da calça e abre a porta baixa da torre. Ela tem a própria chave ou a roubou? Se ela também fugiu, por que está voltando?

Uma sombra vinda do alto passa por mim. Olho para as poucas nuvens e não vejo nada além de pássaros pequenos pela distância. O sangue que deixei na fonte. Não vai demorar até que as gritadeiras me achem.

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