Capítulo Quatro - Tempestade sem fim

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Talvez todos esperassem que eu me rendesse à torre e a uma maldição.

Todos esperam que eu me torne as paredes cinzentas e manchadas. Que eu me renda ao destino de ficar presa; vou envelhecer aqui, perder todas as chances de viver e meus ossos vão virar pó no chão dessa construção. Mas, quanto mais ouço a tempestade lá fora, mais me convenço de que posso seguir adiante. Só não sei como.

Todas as noites desde que voltei para a torre tenho os mesmos sonhos. Eu corro sem parar. Meus pés ardem e eu não paro. Danço com pessoas mascaradas e roupas coloridas e elas me aplaudem enquanto meu cabelo alvo está solto. E então eu desperto. E estou presa novamente na torre com um pássaro gigante metade mulher horrenda me encarando da janela. Ela lavou a tesoura para longe, talvez com medo de que eu lute como fiz com as outras.

Os trovões não cessam. Já me habituei a eles, mas quando me distraio, facilmente sou trazida de volta com o céu desmoronado.

Alguém entra no quarto enquanto tento ver o mundo por uma brecha que seja entre a gritadeira e a janela. Me viro e vejo Adrya.

— Achei que você nunca mais voltaria — digo, me sentindo feliz por vê-la.

— Na verdade, eu não deveria nem pisar aqui. Seu pai disse que meus serviços acabaram — ela me abraça e se senta em uma cadeira no canto. — Mas me deu outra tarefa. Disse que eu precisava te trazer comida, roupas ou o que você precisar a cada dois dias.

— Eu deveria estar chocada? — tento esboçar um riso, mas só sinto raiva. — Acho que agora não tem mesmo saída.

— Eu deveria recusar a oferta dela, sabe? — ela volta a falar de repente. Adrya usa uma capa preta para se proteger da chuva. O cabelo preso e lábios rosados. Ela me encara com uma expressão que até então nunca tinha visto. — Eu deveria. Mas meu pai tem uma dívida com o seu. Graças a ele, a loja do meu pai ainda está aberta. Trabalhar para vocês ainda me dá algumas moedas. Mas eu não fiquei pelas moedas e nem pelo meu pai. E com certeza não por causa da oferta do sr. Tifan.

— Onde você quer chegar com essa conversa? — pergunto. Um raio ilumina nossos rostos pela janela.

Adrya lança um olhar para a criatura parada nos observando.

— Vai acontecer uma reunião na mansão dos seus pais — ela fala em um tom mais baixo, nós duas sabemos que a gritadeira nos ouve. — Todos os líderes mais importantes da cidade vão se reunir para falar sobre a maldição.

— Como você sabe disso? — pergunto, sabendo que que é com isso que devo me preocupar.

— Eles já devem estar chegando lá. Eu vi pelo menos a chegada de uns cinco líderes dos que são mais conhecidos por aqui.

— Eu não entendo...

— Eles vão falar sobre você, Lyna! Não é somente sobre a maldição. A cidade está um caos. Casas estão sendo engolidas por enchentes, ruas que já nem existem mais — olhamos para o mundo se dissolvendo em chuva lá fora. Adrya coloca uma mão sobre a minha. — Eles vão falar sobre você e o seu destino.

Fico emudecida. Nada nunca fez sentido na minha vida e pensar no que está prestes a acontecer me enche de raiva e sentimentos que até então dormiam dentro do meu ser.

— Pelo pouco que pude ouvir, a reunião durará mais de uma noite — Adrya volta a dizer. Ela parece angustiada para me falar mais, não pode. Uma palavra no lugar errado e a criatura nos denúncia.

— Vamos descer um pouco, me sinto indisposta — falo. Dou uma piscadela para Adrya na esperança de que ela veja e entenda o sinal. E ela entende.

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