As coisas acabaram não saindo como eu esperava. O que me admira ainda esperar que algo desse certo diante dos últimos acontecimentos na minha vida...
Uma sequência caótica se desenrolou quando fui arrastada pelo braço por um sujeito grotesco e com um humor tão tempestuoso quanto o clima que caía sobre nossas cabeças. O sujeito nem mesmo olhou no meu rosto e se tivesse feito isso, talvez não teria me obrigado a ficar em pé na entrada da mansão. Os últimos líderes passavam por mim e eu só conseguia encarar o chão. Sentia a raiva crescente por ver tanta gente se reunir daquela forma para decidir qual seria o meu destino. Tudo estava indo aparentemente como o planejado quando uma mulher estancou diante de mim.
— Esperem um minuto — ela ordena ao rapaz que a acompanhava com um guarda-chuva preto. — Que tipo de ofensa é essa? Esse rapaz está completamente inadequado ao uniforme. Eu não costurei essa peça para ser usada por um corpo tão franzino.
Continuo olhando para a poça de lama na minha frente, na esperança de que a mulher bem-vestida e com perfume enjoativo vá embora. Ela não vai. Sinto as unhas dela tocarem meu queixo, e erguer meu rosto para encará-la. Tento desviar.
— Por que você está usando um número maior que o seu, meu jovem? — ela pergunta, a voz estridente irrita meus ouvidos. — Me responda, não seja indelicado.
— Acho que você errou meu número, senhora — respondo.
— Que audácia — ela grita. Sinto todos os olhos vindo para mim. A mulher fica de frente a mim, ignorando o esforço do outro rapaz para protegê-la da chuva, até que ele desiste e se afasta. Ela tem cabelos longos e tingidos de rosa, com enfeites de pedras brilhantes e prata prendendo-os em um penteado alto. — Madame L'Estofara nunca erra uma peça! Eu mesma confeccionei todas, uma por uma...
Ela se revolta contra a minha indiferença ao ouvi-la e arranca o chapéu da minha cabeça. Vejo os fios brancos do meu cabelo esvoaçando ao vento e vejo também o choque nos olhos dela e de todos. Dois homens grandes e armados com bastões começam a correr.
Nada pode dar errado, não agora. Fecho os olhos e só consigo ver um forte clarão quente e estrondoso que me lança para longe dali. Estou jogada na grama molhada do grande jardim quando volto a abrir os olhos e vejo homens caídos da mesma forma. E então entendo o que ocorreu quando vejo um monte de cinzas amontoadas onde aquela mulher estava parada. Fomos atingidas por um raio. Meu coração acelera diante do pensamento de que eu poderia ser aquele monte de cinza com um fio de fumaça subindo e dançando no ar.
Os homens começam a se levantar, ficam cambaleando pelo jardim, gritando porque seus olhos queimam. Não posso perder tempo. Corro para as portas da mansão e me enfio por uma brecha.
Tudo aqui é muito diferente da minha realidade na torre. As paredes gigantes e pintadas com arabescos dourados, cortinas vermelhas que descem do teto até se espalharem pelo chão lustroso e que reflete minha silhueta como um espelho. Fico girando por uma sala gigante e repleta de quadros dos meus pais, lustres de ouro puro que quase tocam o piso. Apenas algumas pessoas se dão ao trabalho de olhar para mim, percebo. Todos seguram taças longas e quase tão transparentes como água cristalina, conversam e riem. Ouço gritos vindo de fora da mansão e me escondo em uma das pesadas cortinas, contendo minhas reações ao choque.
Quero chorar. Me encolher ali mesmo e reduzir minha existência a uma poça de lágrimas. Quero que essas lágrimas se convertam em uma nova torrente que inunde todo o mundo. Mas só fico de pé, os punhos cerrados e contendo também a respiração ofegante.
Este parece um mundo irreal. Não era assim que o imaginava quando me debruçava na janela daquela torre e tentava imaginas as vidas de cada pessoinha que conseguia ver de tão longe. É cruel de uma forma que não consigo definir em palavras. Me pressiono contra a parede para que não identifiquem que estou ali. Lágrimas quentes descem pelo meu rosto. Deixo que elas pinguem naquele chão limpo e espelhado.
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Uma Maldição Entre Nós 💜
FantasyLyna cresceu aprisionada em uma torre. E de acordo com uma antiga profecia, uma maldição pode assolar toda a sua cidade caso ela saia e se encontre com a outra. Do outro lado da cidade, se ergue uma torre igual a sua, e Lyna sabe que naquela torre h...