Capítulo Três - Torre de Mentiras

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Alguns dias se passaram desde a minha desventura desastrosa pela cidade. Naquele dia, fui carregada como uma carniça para alimentar filhotes de pássaros famintos. Acordei algum tempo depois, ferida e sem saber como reagir. Meus pais ainda não apareceram, a não ser que tenham vindo enquanto eu dormia.

A gritadeira na minha janela observa cada movimento que dou pelo quarto. Se eu tossir, ela me encara por horas. Os olhos incansáveis. Não posso mais olhar para a cidade através da janela que logo ela se debate contra mim.

É o começo de mais uma tarde. Ouço alguém subindo as escadas. É Adrya, posso reconhecer os passos dela ou de qualquer pessoa que vem me ver nos últimos dezoito anos.

Ela entra no quarto com uma bandeja e uma bolsa de pano no ombro.

— Acho que hoje já posso tirar o curativo do seu joelho — ela fala, animada. — E eu trouxe comida para você. Tem pão de gergelim, torta de carne e eu consegui melado, ainda tá quente.

Não como há alguns dias. Desde que voltei para a torre, tudo que tenho feito se resume em ficar deitada na cama, encarando o teto e chorando.

— Você já sabia? — pergunto. Adrya deixa a bandeja sobre a mesa. — Você sempre soube?

— Eu já te respondi isso.

— Eu não sei se confio nas suas respostas — retruco.

— Se não confia, por que continua perguntando a mesma coisa? Se eu soubesse dessa coisa toda, não teria te ajudado. E eu estou aqui agora.

— Quando eles vão vir aqui?

— Eu não sei, Lyna — ela responde, deixando os ombros se curvarem. — Só sei que meu trabalho vai acabar. Seu pai suspeita que eu te ajudei e ele não está errado. É só até ele achar uma oportunidade para me tirar daqui.

— Ao menos você vai ficar livre dessa torre podre.

Ela se senta ao meu lado na cama e começa a limpar o machucado do joelho. Toda a tintura do meu cabelo se foi. Agora são brancos novamente. Era uma das lembranças da melhor noite da minha vida. Nunca vou esquecer a senhora que me deu comida. As pessoas com quem dancei ao redor da fogueira e até mesmo as lutas contra as gritadeiras que agora estão mortas. Devem restar apenas sete, todas furiosas e determinadas e fazer de tudo para não me ver colocar os pés fora daquele lugar.

— Olha, vocês podem conversar sobre isso — diz Adrya, me tirando de pensamentos vagos. — Você é adulta e pode falar sobre o que quer. E a maldição até agora não se manifestou. Claro que está chovendo há dias em uma tempestade nunca vista, raios derrubam as árvores... mas é isso?

— Não. A maldição é estar presa aqui enquanto ela pode ser livre — sinto vontade de chorar de novo. A ferida no joelho ainda arde, mas já forma uma camada escura sobre o arranhão graças aos cuidados de Adrya. — Ela parece ter tudo. Eu não posso acreditar que os meus pais me condicionaram a esse lugar para que ela pudesse ser livre.

Adrya sorri para mim, um sorriso generoso e acolhedor. Ela não era de fazer isso.

— E se vocês fizessem um novo acordo? — ela indaga. Terminando o curativo.

— Eu não quero um acordo, Adrya. Eu quero me ver livre desse lugar e dessas coisas.

— Talvez seja um pouco de cada vez. Estar lá fora por um momento já vai ser melhor do que ficar todos os anos da sua vida aqui. E eu não vou mais poder te ver. Eu sinto muito as coisas serem assim, mas por enquanto pode ter uma solução.

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