17. Os pais

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JUNHO DE 1841,
A FAMÍLIA DE DEAN E SAM CRESCE.

Dean não se lembrava de qual fora a última vez em que estivera tão tenso e ansioso. Talvez naqueles dias em que perseguira Samuel por Egleston para pedi-lo em casamento ou quando estiveram na Inglaterra para se casarem, há quatro anos. O duque de Hovedan não era o tipo de pessoa que ficava ansioso, muito menos tenso, porque ele sempre tinha tudo sob controle. Exceto seu esposo, que era sempre imprevisível e curiosamente incontrolável. Mas esse era o jeitinho especial de Samuel.
Ele coçou a nuca, parando no meio do corredor do castelo, e olhou para o pequeno pinguim parado ao seu lado, que também podia ser chamado de Jane Clio, a governanta/mãe de Dean. Clio olhou para ele com uma expressão zombeteira.
- Acho que nunca o vi assim. – Ela troçou, sem conter o sorriso. – Quer uma água doce, menino?
Dean abandonou a mulher e caminhou até a janela, olhando para o movimento das carruagens no pátio do posto comercial de Hovedan. Até o movimento ali embaixo estava lento, o que o deixava mais ansioso, e Dean amaldiçoou o feriado que se aproximava e a vontade do povo de pararem para as celebrações e esquecerem-se de manter o país em movimento.
O duque passou a mão pelos cabelos negros que estavam mais compridos do que o habitual. Que imagem ele iria passar daquela forma, como os cabelos bagunçados?
- Eu deveria ter vestido um terno... – ele murmurou para si mesmo e virou-se para a governanta. – Acha que eu consigo chegar até o quarto sem ser visto e vestir um terno?
Jane riu do estado de espírito do duque.
- Agora você já foi visto assim, Mal, não vai adiantar. – Disse. – E, de qualquer modo, ninguém está aqui para ver suas roupas.
A sua irritação foi descontada nos cabelos. Ele devia ter vestido um terno. Era um duque, afinal de contas, e duques tinham sempre que estar bem vestidos, independentemente de estarem em casa ou fora dela, esperando visitas ou não.
Tudo que ele queria era colocar a cabeça para fora da janela e gritar à plenos pulmões para aliviar toda a tensão que sentia. Se os tempos fossem outros, Dean já estaria quebrando algum objeto dos aparadores pelo corredor, mas nada naquele castelo era mais igual depois da chegada de certo agente infiltrado que, além de acusar o duque de ser um criminoso, tinha redecorado todo o castelo e enchido cada parte dele de quadros, vasos e decorações que não podiam ser quebradas, ou então Dean tinha que aguentar as broncas e reclamações.
E não, ele não estava reclamando. Sua vida era muito melhor depois que Samuel aparecera, mas haviam momentos em que apenas quebrar algum objeto poderia aplacar a tensão dele.
Aquele era um desses momentos.
- Quem o vê dessa forma, imagina até que está esperando pelo parto de um filho. – Clio murmurou, troçando dele.
- Deus que me livre! – Declarou Dean.
Ele também não era de falar muito em Deus, não acreditava muito naquilo. A sua situação estava decadente mesmo...
- Pelo amor de Deus! – Clio exclamou e o fez se virar para ela. – Pare de agir como um lobo enjaulado, pois é isso que acabará fazendo com que todo o seu esforço vá para o ralo.
Só então Dean notou que realmente estava agindo como um lobo enjaulado, andando de um lado para o outro. Ele parou, fitou o pequeno pinguim e deu a ela um sorriso tenso, erguendo as mãos.
- O que quer que eu faça?
Cio avançou até ele, sem lhe dar tempo de recuar, e entrelaçou o braço ao do duque de forma que ele não poderia se soltar sem dar um safanão nela. E por mais que o pinguim merecesse isso, Dean não podia fazer isso com a mulher que fora a sua mãe nos momentos em que ele sempre precisou, ainda tinha algum mínimo respeito e educação.
- Venha comigo. – Ela já o puxava.
Com um suspiro, derrotado, Dean a seguiu sem pestanejar e nada disse enquanto Jane o levava em direção à sala de visitas, no andar inferior do castelo. Ele não sabia o que a governanta tinha em mente levando-o até ali, mas não questionou até estar sentado no sofá e com Clio o olhando de cima. A dama era realmente corajosa, pois olhava para o duque mais temido de Egleston como se ele não passasse de um excremento de pombo na sua casaca.
- Por que eu estou aqui? – Ele quis saber, cruzando os braços e olhando-a tão feio quanto era olhado por ela.
Jane lhe deu um sorrisinho.
- Você é um duque. Aja como um. – Ela falou e, ao ver que ele ainda não entendera o propósito daquilo tudo, revirou os olhos antes de explicar. – Mal, confiança é a definição de um duque. Você não pode agir como um menino medroso e demonstrar tanta instabilidade perto daquela dama que está nesse momento inspecionando sua casa e sua vida.
O duque engoliu em seco, sentindo que começava a suar frio. Por que tudo tinha que ser tão difícil na vida dele? Alguma coisa não podia ser mais simples para ele, ao menos uma vez?
Como se as palavras de Jane invocassem a dama, Dean ouviu o bater dos saltos sobre o piso do corredor e, tentando manter-se calmo, ele se levantou. A mulher jovem, de cabelos castanhos e pele negra, trajando um terninho que a deixava imponente, entrou na sala com uma expressão séria. Sam estava logo atrás dela e Dean lançou um olhar ao seu marido, pedindo por alguma notícia, mas Sam apenas encolheu os ombros, como se não soubesse de nada também ainda.
- E então? – Ele perguntou, sem poder se conter.
A mulher parou de frente para ele e Sam passou para o lado do marido, ansioso pela notícia, Dean notava pela tensão nos ombros do marido.
- Tudo parece em ordem com as acomodações... – disse a mulher. – Conversei bastante com o Sr. Hildegart também, assim como conversei antes com Vossa Graça. As meninas parecem muito saudáveis e bem-cuidadas aqui, então não vejo motivos para que a guarda delas não seja entregue aos senhores.
O duque exalou, aliviado, e sem que ele esperasse, seu pescoço foi envolvido pelos braços do seu marido, que ria alto pela notícia recebida. Dean não se importou com a presença de outras pessoas na sala, ele abraçou Samuel de volta e, emoldurando o rosto dele com as suas mãos, beijou os lábios do seu marido, preenchendo todo o rosto dele com selinhos enquanto ambos ainda sorriam.
- A gente conseguiu... – murmurou Sam.
- Nós conseguimos. – Dean confirmou, abraçando-o outra vez.
O coração dele, que estava tão acelerado, começava a bater mais tranquilamente com aquela certeza. Os dois tinham conseguido. Lara e Phoebe tinham conseguido também.
Quando os dois finalmente se separaram, Dean viu que a assistente social estava um pouco afastada, com Clio, dispondo vários papéis sobre uma mesa. Aqueles eram os papéis que definiam tudo. Sam e ele assinaram aqueles papéis com sorrisos nos lábios e aquilo que já era real nos seus corações se tornou real também nos papéis, eles eram pais de duas meninas lindas.

Depois que a assistente social foi embora, Sam e Dean subiram até o quarto das meninas, onde as duas estavam brincando, sob os cuidados da babá

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Depois que a assistente social foi embora, Sam e Dean subiram até o quarto das meninas, onde as duas estavam brincando, sob os cuidados da babá. Sam fitou seu marido ajoelhado no centro do ambiente e abraçado às duas.
No início daquele ano, chegara um pedido de ajuda para eles de uma família nos cortiços de Hovedan, eram apenas a mãe e suas duas filhas, a mais velha com quase dez anos e a mais nova com sete. A mãe estava doente há semanas e não tinha como trabalhar para colocar comida na mesa das filhas, então eles ajudaram as três com alimentos e tudo que foi preciso, inclusive médicos e remédios para que a mãe das meninas melhorasse, mas infelizmente o estado dela já era muito debilitado e ela acabou não resistindo. Lara e Phoebe não tinham mais ninguém naquele mundo que pudesse cuidar delas e, sem pensar duas vezes, Sam as levou para o castelo.
Uma coisa acabou levando à outra depois disso e Dean se apaixonou pelas duas tanto quanto Sam. Eles decidiram entrar com um pedido de guarda para fazer delas suas filhas legalmente também e vinham lutando por isso nos últimos meses, até que a decisão chegou e naquele dia eles tiveram a última visita da assistente social antes de finalmente se tornarem pais. Infelizmente para eles, as leis ainda não eram tão permissivas com casais homoafetivos, principalmente para nobres como Dean, apesar de a princesa Eloá Campbell estar fazendo muitas mudanças, e ainda não era permitido que um nobre com título que vivesse em um relacionamento homoafetivo adotasse meninos, para não deslegitimar a linhagem de um título e fazer com que ele voltasse para a Coroa quando o nobre morresse. Dean e Sam já tinham estudado a opção de adotar alguma criança, mas a oportunidade nunca surgira antes e eles queriam que acontecesse naturalmente.
E aconteceu.
Lara, a mais velha, tinha a pele negra e um sorriso encantador que fazia os seus olhos negros brilharem como uma constelação de estrelas. Seus lábios em formato de coração estavam sempre curvados em um sorriso discreto e os cabelos cacheados e volumosos tinham sempre um enfeite de laço ou flor.
Phoebe, por sua vez, era a mais nova e muito parecida com a irmã, fisicamente, com o mesmo tom de pele e os cabelos cacheados, mas era também muito mais espevitada que Lara e sua personalidade era o oposto. Ela era do tipo que ria alto, que pulava muito e que, apesar de merecer, nunca era repreendida quando aprontava alguma arte pelo castelo. Seu sorriso largo e os braços finos apertados em um abraço sempre a livravam disso.
A mais nova era viciada em abraços.
E por falar em abraços, ela se desprendeu dos braços de Dean e, correndo até Sam, envolveu as pernas dele com seus braços esguios, o rosto voltado para cima enquanto ela sorria amplamente.
- Nós nunca tivemos um pai e agora temos dois. – Falou Phoebe, apertando Sam. – Dizem que os pais mimam muito as filhas... Isso quer dizer que vamos ser mimadas em dobro?
Sam riu, abaixando-se para abraçar a menina.
- Você bem que gostaria disso. – Foi Dean quem disse.
- Nós podemos chamar vocês de pais agora? – Lara indagou. – Como vamos fazer para chamar um e não o outro?
Sam trocou um olhar com o marido.
- Claro que podem nos chamar de pais. – Dean respondeu. – E, quando à outra pergunta, a gente vai dar um jeito.
O duque sorria tão amplamente, de uma forma que Sam nunca vira antes, nem mesmo no casamento deles, e Sam se viu também muito mais feliz do que já se sentira em toda a sua vida.

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