Marcelinho

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O garoto costumava dizer que morava na rua de cima, para onde acabara de se mudar. Tinha nove anos, a mesma idade de Airton, de quem se tornou amigo e nos últimos dias sempre aparecia na rua para brincar com ele e trocar figurinhas da Copa do Mundo.

Naquela tarde fria de inverno de 1994, Marcelinho teve a ideia de entrarem na casa abandonada — um velho casarão nas vizinhanças, onde há muitos anos não morava ninguém. Airton tinha medo de entrar naquela casa, pois, diziam ser mal assombrada, mas acabou sendo convencido pelo novo amigo.

Os dois meninos pularam o muro, passaram pelo quintal do casarão e forçaram a porta dos fundos, que não ofereceu resistência. Entraram na casa escura, já envolta na penumbra do fim de tarde. Subiram as escadas até o andar de cima, chegaram a uma sala grande onde havia uma luz muito tênue. Airton estava com medo, mas assim mesmo entrou na sala. Viu algumas velas acesas no chão, nas pontas de uma estrela dentro de um círculo. Viu então na parede a figura de um bode preto sentado em um trono. Airton sentiu um arrepio, estava assustado e gélido.

— É melhor nós irmos embora — falou Airton, com uma voz trêmula de pavor -. Daqui a pouco vai escurecer e eu não estou gostando nada disso.

Marcelinho não disse nada. Estava com a cabeça baixa, olhando fixamente para o chão. Airton olhou de relance um pouco preocupado e continuou a insistir.

— Vamos para casa, Marcelinho.

— Eu já estou em casa, amiguinho.

Airton fitou seus olhos no amigo e viu que ele tinha um olhar diabólico e um sorriso apavorante estampado em seu rosto. Tendo aquela visão, sua primeira reação foi sair da sala correndo, descendo as escadas cada vez mais escuras. Correu até a porta, mas ela estava trancada. Então ouviu a voz de Marcelinho atrás dele, e a voz do amigo se tornara grossa, sinistra e apavorante:

— Sinto muito, Airton, mas é tarde para isso.

Airton estremeceu e então se virou para Marcelinho e viu, aterrorizado, que os olhos dele estavam totalmente negros e sua pele se tornara muito pálida e sem vida. Airton tentou desesperadamente abrir a porta, mas era inútil.

— Por favor me deixe ir — implorou Airton -. Meus pais vão sentir minha falta e virão me procurar.

Marcelinho já não era mais um menino. Então, em poucos segundos se transformou em um homem adulto de aparência sinistra.

Ele deu uma gargalhada assustadora e disse:

— Seus pais já te esqueceram.

***

Mais tarde, naquele dia, os pais de Airton estavam a sua procura, porém, o garoto nunca retornou para casa. Airton nunca mais fora visto. Poucos dias depois, o menino Marcelinho mostrava seu álbum de figurinhas da Copa do Mundo ao seu novo amiguinho, Felipe.

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