Pov. Ingrid
Se tem uma coisa da qual nunca tive vergonha é de trabalhar, não importava com o que fosse, quando estava fazendo faculdade trabalhava a noite como garçonete em uma boate para pagar meus livros, apostilas e com cursos de especializações, já que havia conseguido entrar numa universidade pública, nessa época mamãe ainda estava trabalhando normalmente numa empresa de advocacia como secretária, então minhas únicas preocupações eram a faculdade e preparar meu currículo da melhor forma possível para as entrevistas de emprego.
Já havia planejado tudo, até tinha aumentado o meu turno de garçonete para conseguir pagar minha festa de formatura, havia alugado um vestido lindo e estava tão ansiosa que mal dormia a noite, bastou apenas uma ligação no dia em que havia terminado de apresentar meu tcc para todos os planos mudarem.
E desde esse dia deixei a enfermagem em segundo plano e aceitava todo e qualquer tipo de emprego que aparecia na minha frente e mesmo agora enquanto limpo o lobby do hotel não sentia vergonha, mesmo enquanto sou encarada com olhar de pena e superioridade ou sou simplesmente ignorada como se não merecesse nem um segundo da atenção de pessoas tão importantes, sinceramente nunca me importei o suficiente também, meu temperamento não é dos melhores e se acabasse me deixar afetando por algum desses riquinhos esnobes ia acabar perdendo a paciência e posteriormente o meu emprego e na atual circunstância não podia me dar a esse luxo.
Assim que termino de limpar as enormes portas de vidro da entrada do Grand Hassan Hotel sinto o pequeno rádio que carrego no cós da calça apitar e a voz de Lucas surge me chamando até a recepção.
- Pois não senhor?
- Que formalidade toda é essa? - ele pergunta com uma sinceridade quase genuína.
- Quando meu melhor amigo está vestido de pantera cor de rosa eu prefiro que as pessoas não saibam que temos alguma ligação. - não faço ideia de quando ele trocou de roupa, mas agora era muita informação para os meus olhos.
- Gata, estamos no mês do halloween então já se prepare, pois essas semanas o hotel nos deu carta branca para usar fantasias.
Só depois da sua fala é que olho para o lado e vejo que as outras três recepcionistas que dividem o balcão com ele também estão com fantasias, uma está vestida de bruxa e as outras duas estão com fantasias de coelhinhas, e acho que as meias calças escuras que estão usando só estão ali por se tratar de um ambiente de trabalho, se não poderia, com muita facilidade, ver até o útero das bonitas.
- Você esqueceu que a gente mora no Brasil? Não temos esse negócio aqui.
- Meu amor, por esse motivo mesmo, vai demorar muito para chegar o próximo Carnaval, então temos que usar qualquer oportunidade que aparecer pra nos vestimos com fantasias. - ele aponta para suas colegas que para estarem peladas falta pouca coisa. - E não esqueça que a dona do hotel não mora no Brasil, então eles gostam que seguimos algumas tradições que eles tem na gringa.
- Fantasias de hallowen não deveriam ser mais assustadoras?
- Isso serve só pra gente feia, parafraseando as meninas malvadas o halloween é a única época do ano em que as garotas podem se vestir como vadias e as outras garotas não podem dizer nada sobre isso, então se controle. - apenas reviro os olhos diante de tantas baboseiras que saem de sua boca em um tempo recorde.
- Pelo amor de Deus, pare de basear sua vida em filmes de patricinhas. E você me chamou aqui só para isso? Tá sabendo que não quero perder o emprego né?!
- Primeiro que não são filmes de patricinha, é o meu futuro estilo de vida baby, aceite e talvez você faça parte dele também. E na verdade eu te chamei aqui por isso. - ele digita rapidamente no computador e me entrega uma folha recém-imprimida com várias especificações para a limpeza e preparo de um quarto. - Você tem que limpar um quarto e não vai gostar muito do andar.
Já sinto minha cabeça latejar só de ler o número do andar que está gravado no papel, normalmente quanto maior o andar maior a chatice do hóspede e num prédio de cinquenta e dois andares o quarto que tenho que preparar ficar no quadragésimo sexto não era um bom sinal.
- Não tem outra pessoa que possa ir não? Esse hóspede tem até gato, sabe que tenho asma e que animas não gostam de mim.
- Sinto muito minha flor você é a única que está disponível e é a mais atenta aos detalhes e como pode ver a lista dele não é muito pequena, mas relaxa o check in dele é só ao meio dia, você ainda tem uma hora, sei que termina bem antes disso.
- Eu às vezes odeio esse trabalho. - sem muita escolha vou até a área dos funcionários e pego meu carrinho de produtos e o levo até o elevador de serviço, aperto o número quarenta e seis no painel e enquanto ele começa a sua subida lenta leio com atenção as exigências e a maioria é relacionadas ao gato, com certeza deve ser mais alguma socialite que trata o animal de estimação que nem filho e as pessoas que nem lixo, infelizmente trabalhando aqui vejo muito disso.
O famoso apito do elevador me desperta, guardo o papel num bolso do meu uniforme e saio empurrando o carrinho pelo corredor até chegar ao apartamento 456°. Preso ao meu cinto puxo o cartão magnético e um "plim" soa no momento que a porta é aberta.
O apartamento é muito grande, dividido em dois ambientes, com uma mesa de quatro cadeiras em um dos cantos, há também uma mesa de trabalho larga virada para as grandes paredes de vidro que dão uma visão linda de São Paulo e sua selva de pedra, portas de correr separam o quarto e a enorme cama king que toma quase metade do espaço, há duas portas no quarto, uma de cada lado, uma leva para o banheiro e a outra para o closet, a pessoa que vai se hospedar nesse quarto com certeza tem bastante dinheiro, uma diária aqui com certeza deve custar uns três meses do meu salário.
Depois de uma inspeção pelo quarto para ver como está dou graças a Deus por não estar muito bagunçado, a pessoa deve ser louca por limpeza mesmo, vou até o carrinho que ficou no corredor e pego os produtos que vou precisar e ligo a minha playlist de limpeza, coloco os fones de ouvido e a música This Afternoon do Nickelback me deixa momentaneamente surda e me obrigo a abaixar um pouco o volume, respiro o mais fundo que consigo sem engasgar e começo o meu trabalho.
[...]
Como eu imaginava o quarto estava mais limpo do que a sala de UTI de um hospital, mas mesmo assim fiz o meu trabalho como manda o figurino trocando as roupas de cama, tirando o pó invisível dos objetos que fazem parte da decoração e passando aspirador por todo o carpete.
Olho para o relógio do meu celular e vejo que já está batendo quase meio dia, o que para muitos funcionários do hotel significava horário de almoço, para mim era hora de ir embora, nem percebi o tempo passar, graças a Deus só faltava limpar o banheiro e já poderia ficar livre do uniforme sem graça.
Abro a porta e munida de um pano em uma mão e na outra um rodo começo a limpeza, como sempre ligo a jacuzzi primeiro e deixo encher com água bem quente, jogo um detergente neutro e deixo os jatos ligados enquanto faço o resto da limpeza.
Graças ao meu querido hóspede e seu animal de estimação não posso usar produtos muito forte, o que facilitaria e agilizaria em muito o meu trabalho, por isso acabo demorando um pouquinho mais do que de costume.
Olho em volta conferindo cada detalhe do cômodo quando já me dou por satisfeita me inclino para poder desligar os jatos da jacuzzi, o que eu não esperava era que um gato preto surgisse sei lá de que buraco e pulasse nas minhas pernas, escorrego no tapete e acabo indo de encontro a água.
O meu grito surpresa acaba sendo abafado pela água, me viro, apoio as mãos na borda da banheira e subo em busca de ar, puxo o máximo de ar que consigo sem engasgar. Como se já não bastasse, lembro do meu celular dentro do bolso, o desespero me bate e o puxo mais do que depressa e jogo para longe da água, o sabão me impede de ver muita coisa, mas escuto ele bater em alguma coisa e um grito de dor me paralisa completamente.
Oie pessoinhas
Estava aqui de boa e pensei, pq não soltar mais um cap pra vocês?!
Palpites de quem seja o grito de dor? 😶🌫️
VOCÊ ESTÁ LENDO
Duas Vezes Amor
RomanceSe houvesse um concurso de pessoa mais azarada do mundo Ingrid com certeza não o ganharia, já que provavelmente esqueceria a data, a hora ou até mesmo que ele sequer existia. Sua vida tem sido uma eterna série de desencontros e má sorte, com uma mãe...