UM: a bela adormecida

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Seoul, tempos atuais

- K. Seulgi

Sempre desperto poucos minutos antes de o despertador tocar. O tempo parecia cronometrado em minha cabeça, até mesmo ao dormir. Quando se tem um trabalho em que segundos podem valer a vida de alguém, aprendemos a contá-los com familiaridade e medo.

Com os olhos entreabertos, estico o braço até o aparelho em cima do bidê, o desligando. Poucas mensagens não lidas e algumas notificações de redes sociais não me prendem à tela desta vez, o que me faz logo levantar. A sexta-feira seria longa 一 assim como todos os outros dias. A semana corria rápido, embora eu mal a visse passar, pois quase nunca saía do hospital. Cuidar dos desventurados fazia meu tempo valer a pena.

Minha rotina matinal está tão no automático que, quando me dou conta, já estou na porta de casa, pronta para ir. Assim que tranco a porta, meu vizinho acena de seu jardim.

一 Bom dia! 一 digo em resposta ao seu gesto.

一 Bom trabalho, Seulgi! 一 fala, simpático. Sorrio de volta.

Entro em meu carro com certa pressa, o trânsito ficará lento daqui a alguns minutos. Já no final da rua, decido quebrar o silêncio do veículo e plugo meu celular ao rádio; seleciono o canal de notícias locais para ouvir ao longo do caminho.

一...há mais de uma semana, moradores da rua Wangsimni-ro relatam problemas de funcionamento com aparelhos eletrônicos, como celulares e computadores, e objetos elétricos no geral, incluindo rádios e micro-ondas. 一 dizia a voz masculina que saía da pequena caixa de som. 一 Dados os relatos semelhantes de toda a vizinhança, especialistas realizaram medições de radiação e eletromagnetismo no local, comprovando a presença de ondas radioativas e magnéticas fortes. As autoridades tranquilizaram os habitantes da região alegando que os fenômenos não apresentam riscos à saúde. Ainda sem causa definida, o evento durará poucos dias...

Abaixo o volume do rádio, pois não me interessava em ouvir propagandas. A rua estava calma, poucos carros e ônibus transitando sobre o asfalto. Entre me atentar na estrada e nos movimentos que fazia ao volante, algo na notícia que acabara de escutar me chama atenção.

Rua Wangsimni-ro... Não é esta a rua onde minha paciente foi encontrada? Perguntarei à SeungWan mais tarde.

Minha amiga a chama de "bela adormecida". Não posso discordar do apelido infantil que Wan a deu. Já atendi muitas pessoas desde que comecei a trabalhar como médica; muitos casos, muitos rostos, muitas histórias. Mas ela... Havia uma certa aura de mistério e beleza rondando esta mulher. Não existe forma de olhá-la sem se deixar hipnotizar por seus traços. E mesmo com todas as dúvidas sobre ela, eu sentia, no fundo de minha mente, que a conhecia; como se aquele lindo rosto já tivesse feito parte do meu passado. Improvável. Nunca esqueço de um rosto ou de um nome 一 e de sua feição em específico eu certamente não esqueceria.

Logo chego ao meu destino de todos os dias. Ótimo, não enfrentei trânsito desta vez. Estaciono em minha vaga de sempre, observando pela janela do carro o céu clareando aos poucos. Respiro fundo; seria um dia cheio, mas não impossível. Dou uma última olhada no espelho e arrumo o rabo de cavalo meio torto.

Você consegue. Tudo está onde deveria. 一 disse baixo, ainda me olhando pelo espelho. Às vezes, falo sozinha para não enlouquecer. O medo de perder o controle me... descontrola. Saio do carro sem pressa, pois cheguei antes do horário hoje.

Assim que entro na recepção, vejo Jae. Ele ficou internado semanas atrás após fraturar a perna numa queda; viu uma gatinha presa nos galhos de uma árvore e não pensou duas vezes em salvá-la.

Aproximo-me dele, que estava sentado no sofá encostado à parede. Assim que me reconhece, Jae abre um enorme sorriso. Sorrio de volta.

一 Bom dia, senhor. 一 cumprimento-o com uma seriedade descontraída, sentando ao seu lado.

一 Oi, doutora. 一 respondeu tímido. Ele vestia um uniforme escolar azul, segurava as muletas com a mão esquerda.

一 Ei, cara, não estou de jaleco ainda... Por enquanto, sou apenas a Seulgi. Como vai a vida?

一 Um pouco devagar por causa das muletas. 一 apontou para os acessórios de metal, sua expressão estava neutra. Soltei uma risada baixa.

一 Poxa, você não vai me trazer nenhuma notícia boa? 一 pergunto, cruzando os braços.

一 Ah... Meu pai deixou ficar com a gatinha! 一 arregalei os olhos e o abracei brevemente. Seu sorriso parecia inabalável.

一 Da próxima vez que você vier, vou trazer um presente para ela, combinado? 一 ele assentiu com a cabeça. Olho de relance para o relógio que fica na parede do balcão principal. 一 Preciso ir. Boa aula, Jae! 一 aceno para o garoto, que faz um coração com a mão.

{...}

一 Os exames dela chegaram. Estão ali em cima. 一 disse SeungWan apontando para os envelopes acima da mesinha de madeira. Ela agora trocava os tubos no braço da mulher. Logo fui aos papéis e os abri. 一 Passei a noite toda pesquisando bancos de dados, sites de desaparecidos e fugitivos... E nada. 一 falou baixo. SeungWan estava mesmo determinada a descobrir um mínimo de informações sobre a "bela adormecida". 一 Quer tentar de novo?

一 Melhor não. Devemos só esperar alguém aparecer ou aguardar que ela acorde. 一 tentei convencê-la de desistir da ideia de rastrear toda a vida da pobre moça. A verdade é que eu estava tão intrigada quanto minha amiga.

Seus exames de sangue estão... Espera, não pode ser. Isso é impossível.

一 E se ela for estrangeira? Pode ter pais coreanos, mas ser de outro país. Nunca se sa-

一 SeungWan... 一 chamei sua atenção, controlando minha voz para não parecer desesperada. Ela me olhou, franziu as sobrancelhas ao perceber meu estado. Quero dizer, pode ter sido só um engano. É, com certeza enviaram os exames de alguém que já morreu.

一 Por Deus, Seulgi, o que aconteceu? 一 questionou, caminhando em minha direção.

一 Aqui consta a presença... uma quantidade considerável... 一 senti minha garganta secar. 一 de urânio e césio.

Todos querem matar Bae Joohyun | SeulRene (Red Velvet)Onde histórias criam vida. Descubra agora