Elas e Todas as Outras Cores

Capítulo Dois

Emily chegara, como o esperado, antes que a aula começasse. As duas primeiras aulas passaram voando. Em parte, pela professora ter chegado com 30 minutos de atraso, também porque foram feitas apenas dinâmicas de apresentação. Chegava a ser engraçado quando um professor novo fazia jogos para que os alunos se conhecessem, é como se não tivessem crescido com eles e estudado desde sempre jutos. Mas tudo bem, a professora não os conhecia e brincadeiras de apresentação tomavam um bom tempo da aula, que inclusive acabou sem os alunos sequer saberem o que é logística reversa, mas tudo bem, porque agora eles sabiam toda a história da vida da professora de logística reversa, e sobre como o filho dela passou por uma fase terrível com a intolerância à lactose.

Na terceira aula, de química, não foi necessário dinâmicas nem apresentações, todos já se conheciam e conheciam o professor. É relevante dizer que o professor Tobias era incapaz de manter seu interesse focado em ciências, sempre tinha que se meter na vida pessoal dos alunos. Não era algo ruim, se levarmos em conta o restante dos professores que evitam qualquer interação com os alunos, mas nem sempre Tobias tornava isso divertido.

— A Emily só anda de chamego pela escola. — Ele gostava especialmente dos assuntos românticos — Este triozinho eu não sei não — disse com uma risada que o restante da turma acompanhou. Provavelmente ninguém havia achado graça, mas era melhor rir do que se tornar o alvo da piada — meninas tão inteligentes e bonitas e não arrumam um namorado. Com exceção da Emily que arrumou logo um partidão.

Emily fingiu não ouvir, continuando suas anotações, então Alexia interviu:

— Inteligentes o suficiente para preferirem ficar sozinhas.

Alexia não suportava o professor Tobias. Ele enrolava demais com as explicações, se metia onde não era chamado, era machista e homofóbico. Alexia costumada interferir apenas no primeiro caso, queria mais que qualquer coisa se manter longe das vistas daquele homem. Era bastante provável que a fizesse repetir na sua matéria caso achasse conveniente.

— Ah Alexia... Se não fosse pela peruca azul eu até te arrumava um pretendente, mas você vem querendo imitar a Kate Peri ou alguma artista do tipo — ele falava errado propositalmente para zombar do cabelo de Alexia, tingido de azul turquesa — assim será mais fácil arrumar um pretendente para a Amanda. Esta é realmente um amor de menina, qualquer um que escolher ela será sortudo demais.

Então os garotos da sala — inclusive os comprometidos — iniciaram uma série de gritos e urros que talvez na idade da pedra ou em alguma espécie animal poderia ser usado para atrair o sexo oposto, mas no século XXI era apenas vergonhoso.

O professor não fez mais esforço que pedir em meio a risos que os garotos não falassem tão alto. Os gritos cessaram apenas quando Alexia levantou de forma brusca e seguiu o caminho da porta.

— Para onde pensa que vai? Sem permissão. Volte agora que vou iniciar assunto.

— Eu não preciso de permissão e eu não preciso ficar aqui sendo constrangida. — Terminou se virando novamente para a porta.

— Se você se sente tão esperta, tão competente, tão inteligente, então venha aqui na frente, tome meu posto e inicie o assunto para a turma — todos os colegas ficaram com olhar tenso, mas Alexia parecia inabalável.

— Se quiser me aplique uma prova, mas não vou fazer seu trabalho.

— Então vamos à secretaria, agora. Não vou aceitar que atormentem minha aula — o que era irônico, levando em conta que ele sequer havia iniciado a aula.

•

Antes mesmo que falassem qual era o problema, Léa, a diretora geral do colégio técnico já sabia do que se tratava. Já estava acostumada com aquela situação há anos. Já estava também cansada, será que o senhor Tobias não saberia lidar com as consequências de suas brincadeiras invasivas? E se conhecia o final disso, por que simplesmente não parava de ser enxerido? Como não podia dizer isto a ele, simplesmente aceitava os fardos que a função trazia.

— Bom dia. Aconteceu alguma coisa?

— Acontece que a Alexia faltou com respeito comigo. Hoje ela se levantou no meio da minha aula e saiu. Como se não bastasse me desafiou. Desafiou-me, Léa! — Tobias estava claramente exaltado — Se sente superior a toda a turma, disse que se eu quisesse poderia aplicar a prova agora mesmo!

— Não foi exatamen...

— Viu só? Se outros alunos começarem a ter ela como exemplo, no que se tornará a escola? É o fim dos tempos. O pastor disse no último culto, é o apocalipse, está na bíblia que...

— Senhor Tobias, foi o bastante, já entendi a situação. O melhor a se fazer agora é voltar à sala e aproveitar os vinte minutos que restam de sua aula. Resolvo-me com ela.

Num impulso Tobias levantou e seguiu de volta para a sala de aula — que estaria uma zona — onde iria contar vantagem sobre ter feito a garota se "encrencar".

— E então, Álex?

— Alexia.

— Desculpe — deu uma risadinha envergonhada — O que realmente aconteceu? Sei que o Tobias pode fantasiar um pouco as histórias

— Foi quase o que ele contou — ela respondeu diminuindo a tensão, esperançosa que a diretora iria acreditar nela — só que eu tive motivos para agir daquela forma. Ele estava constrangendo a mim e às minhas amigas.

A diretora estava com pressa, era visível. Não tinha tempo para perder ouvindo as mesmas queixas de sempre sobre Tobias. Da forma mais gentil que pode, tentando não se mostrar desinteressada ela encerrou a conversa:

— Compreendo. Todos sabemos que Tobias pode não ser a pessoa mais fácil de conviver. Mas estamos de acordo que ele é um professor excelente.

Alexia poderia interromper e contar sobre como ele demorava até que a aula estivesse chegando ao final para começar a explicar e como ele dava vantagem aos alunos que o agradava, ou mesmo quando ameaçava fazer os alunos repetirem de ano. Mas requeria esforço e tempo que certamente a diretora Léa não estava disposta a gastar.

— Posso lhe propor uma coisa.

Alexia ficou calada como sinal de consentimento.

— Não vale a pena voltar para a sala para assistir — parou a frase para olhar seu relógio de pulso — dezesseis minutos de aula. Também não vou lhe castigar por impor sua opinião. Fique fora da sala esperando o recreio — soou engraçado ela falar "recreio" sobre o intervalo das aulas de alunos do ensino médio -, só não fique passando pelas salas para não desviar a atenção dos alunos.

— Tá.

Alexia se levantou, pensou em voltar e agradecer, mas concluiu que a diretora não fez nada demais, seria realmente uma injustiça ser castigada naquela situação e ninguém pode jurar que nas próximas aulas Tobias não passaria a persegui-la.

— E, por favor, evite discutir com o professor Tobias. Às vezes é melhor fingir que não ouviu do que se envolver numa encrenca. E eu não sei se poderei te defender outra vez. — terminou com um olhar de cumplicidade.

— Obrigada, diretora. — mesmo que não tendo sido uma solução a longo prazo, a atitude da diretora a livrou de voltar para a sala, e, por hora, era o bastante.

Alexia saiu do escritório e seguiu para a mesa onde ficou até que os alunos fossem liberados e a merenda começasse a ser servida.