Capítulo Um

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A caminho da sala há diversos rostos, a maioria deles familiares. Numa cidade pequena como esta é fácil que todos se conheçam. Por um lado, é ótimo, pessoas conhecidas transmitem uma segurança — ou deveria ser assim —, por outro lado, quando se conhece todo mundo não há nada de novo, de instigante, nada que faça uma mudança nos ares. E como Amanda almejava por uma mudança de ares.

Amanda sempre foi chegada a um romance, livros especialmente. Sonhara com um príncipe, um duque ou um cavalheiro a vida inteira e, por mais irônico que soe, era a única que não havia conseguido o feito.

Emily namorava desde o primeiro ano com um mesmo garoto que conhecera numa biblioteca uns meses antes de se reencontrarem no colégio. Seu relacionamento não era nem de longe saudável, mas nenhuma de suas amigas teria a audácia e a coragem de lhe dizer isso. Era capaz que ela matasse alguém que criticasse seu sagrado namorado. A verdade é que ele nunca levara Emily a sua casa, tampouco fora na casa dela. Emily acreditava que a família dele, majoritariamente branca, pálida, clara e racista não iria aceita-la. Ele nunca confirmou isso, mas era menos doloroso para ela do que pensar que ele simplesmente não queria assumi-la.

E Alexia, ah, ela sempre fora bem resolvida, tinha convicção de quem era e não tinha medo disso. Era segura, até demais. Seus relacionamentos não duravam mais que uma semana, era como uma bomba prestes a explodir. Se em poucos dias jurava amor a alguém, em menos ainda desfazia tudo. Ou não se sentia pronta para algo mais sério ou sentia que merecia algo melhor.

Ter uma amiga popular tinha seus benefícios, como sentar-se à mesa — não que fosse algo proibido, mas ninguém iria querer ser olhado com estranheza sentando-se com vários "legais" sem mais nem menos — mas sair de um ponto ao outro com certa agilidade não era bem uma dessas vantagens. Andar com Alexia era um tanto cansativo. Chegar à sala era como andar num campo minado.

Entre beijinhos e abraços e carícias e perguntas das quais ninguém está realmente interessado na resposta — tudo bem? Como está? — finalmente o trio consegue chagar à sala, mas não sem antes:

— Bom dia!

Quase como um suspiro Alexia se vira com um sorriso meio torto em direção a Julia.

— Bão! — responde em tom de brincadeira, mas é possível ver seu desconforto.

Sentia como se fosse explodir, sentia sua pele queimar só com a sua presença, queria chorar, beija-la ou gritar a xinga-la?

À sua frente está Julia, com seu sedoso cabelo preso em um rabo de cavalo, com argolas penduradas em suas orelhas que a fazia parecer mais madura do que realmente era — não de um jeito bom — e sua pele, sempre bronzeada, fazia parecer que a garota passava horas na praia — como se a cidade pelo menos tivesse uma praia —, e seu namorado. Seu namorado agarrado em sua cintura, perto dela ele era tão... Nada, que poderia ser facilmente confundido com uma das bugigangas que ela costumava pendurar nas orelhas. Ela já era tão incrível, que ele se tornava só mais um adereço brega.

— Bom ano. A gente se vê por aí — Seria um convite? Não devia significar nada. E não importava mais, porque Alexia só não devia criar mais expectativas sobre isso, sobre nada.

Conforme o casal se afastava e as amigas seguiam para a sala, Amanda retoma o assunto esquecido no ano anterior.

— Hum, e você e a Julia?

— Tem o que?

As amigas ficaram caladas se encarando enquanto esperavam que Alexia tomasse a iniciativa de falar.

— Tá certo. "Nós" — disse Alexia quase cuspindo a palavra - nunca existiu, foi um delírio, ok? Ela e o Thales nunca terminaram. É isso que queriam ouvir? Ela me enganou, dizia que haviam terminado, mas assim que ele voltou das férias na casa dos padrinhos ela rompeu comigo. Deu uma desculpa sobre os pais homofóbicos e sobre como aquilo que tínhamos feito por dois meses era errado — respirou fundo como se fosse difícil falar tudo aquilo em voz alta — dois meses, ela me enganando, ela enganando ao namorado dela. Ela pediu que continuássemos amigas, não que eu acredite que fossemos antes ou que possamos ser depois disso.

Encerrou se certificando que ninguém tivesse ouvido a conversa. Não havia mais ninguém na sala.

Nenhuma expressou sua opinião. Não que houvesse algo pra dizer.

Silêncio.

— Então Amanda, — Alexia tentou melhorar a vibe — acabou com seu "probleminha" na viagem?

— Que nada, sabe que meus tios são tão protetores quanto meus pais e eu nunca beijaria um estranho que eu nunc...

— Isso é papo furado — Alexia interrompe — sabe, se você realmente quisesse, teria feito, você só não quer beijar ninguém. Sabe, eu respeito, eu também tive nojo de beijo até os 11 anos, e principalmente aos 9 anos quando o sobrinho nojento do meu vizinho me beijou quando estava com conjuntivite e ele todo cheirava a catarro.

— Não é exatamente nojo. Ok, talvez um pouco sim. É que eu quero beijar alguém que eu goste e que goste de mim e que seja um beijo bom, como de um romance.

— É, só que as chances de seu primeiro beijo ser uma lembrança agradável é de zero. Eu aconselharia você a não se apegar tanto a isso — Emilly ocasionalmente aparecia no mesmo universo que as amigas, mas logo se perdia em seus pensamentos — a propósito, preciso encontrar o Jean. Volto antes mesmo que o sinal toque a primeira aula.

Não há sequer despedidas, elas já estavam habituadas aquela situação.

— Mas sério, talvez a coisa grandiosa que você espera do seu último ano seja isso. Beije alguém, faça do seu ano inesquecível se é o que quer — Alexia fazia tudo parecer tão fácil.

— Eu não sou você, não tenho todos os homens e mulheres caindo aos meus pés jurando-me amor eterno.

— E mesmo que tivesse, você ignoraria cada um deles. Você está presa num ideal de romance, Amanda.


Elas e Todas as Outras CoresOnde histórias criam vida. Descubra agora