A Despedida

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NA MANHÃ SEGUINTE, vesti o uniforme das Selecionadas: calça preta, camisa branca e a flor da minha província — uma rosa — no cabelo.

Em breve partiríamos para a praça. Cada uma das Selecionadas teria uma despedida em sua província — como minha casa fica a poucos quilômetros de distância do palácio, provavelmente seria mais uma recepção —, e então nos levariam de carro até o local por razões de segurança.

A Selecionada de Angeles, por tradição, esperava que todas as outras chegassem e fechava o cortejo. Eu seria a última a entrar no palácio, então minha despedida seria mais tarde. Acenaríamos para os carros por bastante tempo, no entanto.

Meus tios vieram me abraçar antes de eu sair sozinha, ambos à beira das lágrimas.

— Por favor, não chorem. — pedi, caindo em seus braços.

— Escute aqui, querida. Perdendo ou ganhando, você sempre será uma princesa para nós.

— Obrigada... — Ele abraçou a nós duas e tentei segurar as lágrimas. Sentiria falta deles. Eu devia a minha vida a essa família.

Apertei eles no abraço só por uns segundos antes de dar o primeiro passo na praça abarrotada de gente. Parecia que toda a população da província de Angeles tinha vindo se despedir de mim. Ou conferir o motivo de tanta euforia.

Do alto do palanque, eu podia ver aquela massa humana me encarando. Podia ver as fronteiras entre as castas. As castas superiores pareciam me encarar com desdém, enquanto as castas inferiores gritavam meu nome. A estrada estava protegida por seguranças e barreiras que deixavam o caminho livre para os carros poderem entrar no palácio. Podia ver seus muros atrás da multidão, ao longe.

O prefeito discursava com gestos grandiosos.

— E Angeles estará torcendo pela bela filha de Amber e Samuel Stone, a linda senhorita Evangeline!

Deixei o som dos aplausos e torcidas me invadir por alguns momentos, vendo as flores sendo jogadas para o alto. Se eu fechasse os olhos, poderia acreditar que isso era um palco.

— Senhoras e senhores, queiram unir-se a mim na despedida a Evangeline Stone, nossa filha de Illéa predileta! — O prefeito convocava antes de se inclinar em minha direção, afastando o microfone. — Gostaria de dizer algumas palavras?

— Seria uma honra. — Sorrio e seguro seu microfone, dando um passo à frente. — Agradeço pelo apoio e confiança que têm em mim e por cada presença aqui. É uma honra e uma alegria poder representar a minha e todas as outras castas de nossa amada província. É uma responsabilidade que levarei a sério e com muito amor por todo o povo.

Eu focava em cada rosto, tentando lembrar de suas expressões, suas palavras. Queria que valesse a pena estar lá, nem que fosse por eles. E eu faria de tudo para isso. Com a cabeça erguida, deixei todos aplaudirem enquanto sorria e acenava descendo os degraus até chegar ao caminho separado por faixas de segurança e pontualmente alguns guardas prontos para atacar ao menor sinal de ameaça.

A multidão estava louca de alegria. Virei a cabeça inúmeras vezes em questão de segundos à medida que as pessoas espremidas gritavam meu nome. Eu estava maravilhada. Já havia gente — que não era da minha casta nem da minha província — que queria que eu fosse a escolhida.

— Senhorita Evangeline, precisamos ir. — Olhei para o carro que minha assistente sinalizava e então para o imenso corredor ladeado pela multidão.

— Eu preferia ir a pé.

— Não será possível, senhorita.

— Por favor, apenas 500 metros. Entrarei no carro assim que chegarmos aos portões. — Ela faz uma careta, mas continuo sorrindo com a presença das câmeras. — Seria um escândalo me arrastarem até o carro.

Ela fecha a boca imediatamente e concorda com a cabeça segundos depois, sinalizando para o motorista e os guardas. Deixei o carro ir na frente enquanto caminhava no meio da rua acenando para todos com a graciosidade de uma dama.

A primeira metade do percurso foi tranquila — me despedi dos colegas do teatro com abraços e apertos de mão, cumprimentei de longe outras pessoas conhecidas e desconhecidas e prometi à senhora Farmer que mandaria as flores mais bonitas que encontrasse antes de me despedir com um abraço, além de rir com os outros idosos do asilo.

Quando cheguei na metade do caminho, ouvi uma pequena comoção à minha direita. Uma pequena garotinha, provavelmente com menos de cinco anos, corria em minha direção com uma coroa de margaridas nas mãozinhas. Agacho-me em sua frente, vendo um dos guardas se apressar para chegar.

— Senhorita. — Ele começa, mas acabo levantando a mão.

— Oi. — Ela olha para a multidão, o medo aparecendo em seu rostinho de criança. — Qual é o seu nome?

— Agatha. — Seu nome me surpreende um pouco. Seus olhos estão arregalados e brilhantes quando ela ergue os braços tão rápido que quase deixa a coroa cair. — Eu fiz isso para você.

Ela as coloca sobre minha cabeça.

— Eu amei. — Ajeito um pouco a tiara para que não caia. — Como ficou?

— Que nem uma princesa. — Ela bate palmas e eu não consigo parar de sorrir frente à sua animação infantil. Ela me lembrava um pouco de Ava.

Uma mulher acenava na multidão, chamando Agatha.

— Sua mãe parece preocupada. — Eu me levanto e estendo uma mão para ela. — Podemos ir até lá?

Ela concorda com a cabeça e caminhamos juntas até lá.

— Agatha, sabe que você não pode fazer essas coisas. — A mulher pega a pequena no colo. Não eram tão parecidas além do tom de pele, mas talvez Agatha fosse mais parecida com o pai. — Eu peço desculpas, senhorita.

— Foi mais do que um prazer conhecê-la. — Eu sorrio.

— Está difícil lidar com as crianças ultimamente.

— Tem muitos filhos?

— Ah, não, não sou mãe. — Ela faz um gesto exagerado com a mão. — Eu cuido de algumas crianças órfãs que moram nas ruas. Tenho uma casa pequena, mas é algo que posso oferecer para algumas crianças e acabo encontrando outros lares para elas viverem também. Agatha é uma Oito.

Concordo com a cabeça, tentando não demonstrar o quanto isso me afeta. Esse tipo de atitude me faz acreditar na humanidade de Illéa.

— Posso perguntar seu nome?

— É Evelyn Taylor, senhorita.

Guardei o nome em mente.

— Eu adoraria ajudar seu projeto, sei que deve estar sendo difícil nesses tempos. E todas as crianças merecem um lar. — Seguro uma mãozinha de Agatha. — Eu vou ter que ir, pequena, mas eu adorei te conhecer.

— Quando eu crescer, eu vou ser uma princesa igual a você. — Eu sorrio, cativada pela dramaticidade e felicidade de sua personalidade. Sendo uma Oito, era admirável. — Vou usar lindos vestidos e tiaras.

— Tenho certeza que sim. — Tiro a rosa do meu cabelo e a coloco atrás de sua orelha. — E veja, agora somos ambas princesas com flores.

— Boa sorte, senhorita.

— Obrigada. — Sorrio e volto a caminhar, sentindo seus olhos admiradores em mim.

Essa imagem ficaria gravada para sempre na minha memória. Isso e o resto da multidão me fez encarar radiante a última metade do trajeto. Não imaginava quantas pessoas traziam cartazes com meu nome ou o quanto torciam por mim. Quero dar um motivo para eles realmente me amarem, se orgulharem da minha presença no palácio — e não ser só uma fraude pelo qual a monarquia torce.

Finalmente cheguei até o carro, provavelmente mais atrasada do que deveria.

— Senhorita Evangeline, está pronta? — Mitsy, minha assistente, perguntou.

— Sim. Tudo pronto.

Minha mala já me esperava dentro do carro branco e brilhante. Era isso.

Respirei fundo e olhei uma última vez para todos antes de entrar no carro e me deixar ser levada ao palácio.

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