Juro que nunca senti tanta vergonha na minha vida. Nem quando minha calça estampada de vaquinha rasgou bem na bunda quando eu tinha 6 anos, exatamente na hora do recreio. Nem naqueles sonhos que todo mundo tem de que está sem calças em público. Pelo menos Will teve a consideração de não me perguntar nada ao abrir a porta do carro dele para mim, se não eu iria literalmente cavar um buraco no chão até chegar em Tóquio. Por que logo ele teve que estar na frente da minha casa no pior momento possível? Maldito momento que eu deixei ele me levar até em casa.
- Tu pode me levar até a casa da minha irmã ou da Aurie, não precisa se incomodar. E eu mal conheço tua irmã, não quero que ela me veja assim.
Pude ver a mesma tensão na testa e na boca dele que eu havia reparado da última vez que citei o nome da Aurie, mas provavelmente dessa vez tinha mais a ver com toda a cena que infelizmente ele viu. Como se as coisas precisassem ficar mais complicadas do que já estavam.
-Se é por causa da Georgie, não precisa se preocupar porque ela está passando uns dias com os nossos avós em Garibaldi. Posso te levar amanhã para a casa da tua irmã se for o que você quer, mas hoje vamos conversar.
- Tudo bem, eu te explico tudo. Mas eu prefiro conversar quando chegarmos na tua casa.
Não sabia que era possível engolir em seco tantas vezes. Will só acenou com a cabeça em concordância ao meu pedido, graças a deusa. O que eu menos queria era falar agora, mas a voz da Aurie no fundo da minha cabeça -o que eu costumo chamar de voz da razão- dizia que ele merecia respostas. E muitas. Mas mesmo assim eu esperava que a viagem de 20 e tantos minutos da minha casa até a dele durasse três horas. Ao mesmo tempo que eu queria estar em qualquer outro lugar, porque ficar 20 minutos em um silêncio desconfortável com alguém é horrível. Então suspirei de alívio quando finalmente chegamos. E não pude evitar de me sentir como uma princesa que foi salva, tipo a Cinderela quando finalmente pode deixar a casa que partilhava com a madrasta e as meia irmãs malvadas. E me senti muito trouxa por isso.
-Okay, Bessie. Já te dei tempo pra pensar no que ia falar, já te dei tempo pra ficar sozinha até demais. Me desculpe o palavreado, mas o que diabos aconteceu? Primeiro você fica dias me ignorando completamente e quando eu vou até a tua casa pra tentar entender o que tá passando na tua cabeça, eu encontro uma cena de violência doméstica. Por que você nunca me contou nada sobre isso? Eu dúvida que hoje foi a primeira vez que aconteceu. Foi por isso que você pedia sempre para eu te deixar há algumas casas de distância, pra ele não ver nada? Quem mais sabe sobre isso, a Lara e tuas outras amigas sabem?
Ora, ora, temos de volta o Fitzwilliam D'arcy falante que bem conhecemos. Sim, eu estou fazendo piadinhas para ignorar o fato de que eu ia contar tudo que a Aurie demorou anos para saber e que grande parte das minhas amigas não faziam ideia. O real motivo das minhas amigas nunca dormirem na minha casa quando meus pais estão lá e o porquê de eu querer proteger tanto as minhas irmãs. Então eu respirei fundo, engoli seco mais uma vez e desembuchei.
-Tá bom, eu vou te contar tudo, mas me deixa falar e não interrompe. -Respirei fundo mais uma vez, vendo que eu estava encurralada- Antes de tudo, eu queria dizer que me arrependo de ter te dado um ghosting. Não foi legal da minha parte. Partindo disso, acho que primeiro eu tenho que explicar o que tava acontecendo lá em casa e sobre o monstro que infelizmente é meu pai. Meus pais se conheceram quando minha mãe era bem jovem e por mais que eu ame os meus avós, eu tenho que admitir que eles erraram em proteger demais a única filha. Então quando ela conheceu o meu pai, nem passou pela cabeça dela que ele poderia fazer qualquer mal a ela. Porque ser tratada como uma princesa era tudo que ela conhecia. E ela sempre sonhou em encontrar um príncipe encantado, ela viu o meu pai e achou que ele era um homem maravilhoso. Meus avós nunca gostaram dele, mas minha mãe batia na tecla que era só porque ele era mestiço e pobre. Não me entenda mal, realmente eles eram de classes sociais diferentes e muitas famílias do círculo social dela também não iriam aceitar. Mas pensando nisso tudo, eu acho realmente que minha vó sentiu que tinha algo estranho nele. E minha mãe não demorou muito pra descobrir com quem ela se casou. No começo era tudo maravilhoso, mas depois deles se casarem e ela demorar pra engravidar, as coisas mudaram. Ela já me disse uma vez que começou aos poucos, primeiro eram gritos, depois socos na parede, depois na cara dela. Por algum motivo que eu nunca vou entender, ela continuou com ele e ainda teve quatro filhos. Ele ficou com raiva que ela demorou pra engravidar, ficou com raiva dela ter tido primeiro duas meninas, ficou com raiva de ter tido quatro filhas e só um menino. E depois ficou muito mais raiva pelo único filho homem dele ser gay e expulsou o Fred de casa. Sabe o que é o pior? Aquele carro que eu sai hoje e que ele disse ser carro de "macho", era o carro do próprio filho dele. Acho que ficou claro que com o tempo ele não batia só na minha mãe, mas nos filhos também. E é por isso que eu sempre quis sair do país, me mudar para o mais longe possível dele. Nem nisso ele me ajuda, porque eu preciso fazer a cidadania espanhola dele antes de fazer a minha, e mesmo eu pagando ele se nega. Mesmo que eu só possa entrar com o pedido até eu fizer 21 anos, ele ainda não aceita fazer só porque é algo que eu quero. Enfim, eu nunca quis namorar com alguém por causa disso. A única pessoa que sabe de tudo além de ti é a Aurora, a Lara sabe de muito pouco e as outras gurias não sabem de nada.
Eu dei o discurso do tamanho de uma bíblia buscando não olhar pra ele. Era muito estranho falar disso tudo para alguém pela primeira vez. Tudo bem que a Aurie também sabia de toda a história, até porque eu não consigo esconder nada dela, mas foi diferente porque ela foi tomando conhecimento do drama todo ao passar dos anos. Era como ir em um psicólogo, só que um extremamente gato. Tirando o fato de que eu duvido muito que eu iria me abrir desse jeito em uma terapia, talvez depois de 3 anos? Quando eu finalmente olhei pra ele, a expressão no rosto dele era difícil de decifrar. Ah pronto, agora que eu vou dar uma chance para o Darcy dos pampas, ele vai sair a nado até a Inglaterra.
-Bem, eu acho que isso explica muita coisa. Até a parte de você não ter respondido as minhas mensagens ou atendido as ligações, mesmo que você não tenha exatamente me explicado o motivo. Obrigado por ter me contado tudo, imagino que não deve ser algo fácil de falar. E eu acho que você deveria ficar um tempo aqui, pra descansar disso tudo. Não precisa se preocupar com a Georgie, ela vai adorar te conhecer melhor e ter uma companhia feminina. E vai adorar eu ficar mais tempo em casa, porque eu não vou precisar sair pra te ver.
A primeira coisa que eu pensei foi negar. Eu estava planejando ficar por uma noite, depois passar uns dois dias na casa da Ana e voltar para encarar a situação que eu deixei em casa. Pensei na minha mãe, na Catarina e na Mariana sozinhas com aquele monstro. Parte de mim queria voltar para casa e protegê-las. Mas outra parte de mim, queria ficar para sempre escondida embaixo dos braços do Will e não ter que encarar mais nada. Eu nem me lembrava da última vez que eu me senti protegida por outra pessoa que não fosse a Aurie e a Ana. E apesar disso, a Ana saiu de casa na primeira oportunidade que teve e me aconselhou a fazer o mesmo. Será que é tão errado pensar no meu próprio conforto uma vez na vida? Sem nem pensar em mais nada, nem na minha família, nem em calcinhas novas e escovas de dentes ou sequer roupas, eu aceitei. E pela primeira vez, eu adormeci nos braços de um homem, segura e feliz.
Nota da autora: EU VOLTEI!!!!! Siiiim, depois de mais de um ano. Eu tinha ficado bem desanimada com a estória e não estava com mta vontade de escrever algo que não era acadêmico -na real qualquer coisa, mas os textos acadêmicos eu sou obrigada-, tinha decido mesmo abandona-la e desistir de escrever por prazer. Só que há algumas semanas eu andava pensando mto nesses personagens, no que eu tinha planejado para eles. E recebi o comentário da AlinneLucht, o que eu considerei que talvez fosse um sinal para eu voltar a escrever. Mas foi só lendo tudo que eu tinha escrito, que eu decidi que não posso deixar essa estória inacabada. Ainda mais quando eu sei como ela vai acabar, quando eu ainda tenho tanto carinho pelos personagens e queria escrever muito mais sobre eles. Não é justo comigo, não é justo com eles, não é justo com vocês. Então eu voltei e irei escrever os cinco capítulos -pelo menos que eu calculo que vai ser- que faltam. Espero que gostem deste capítulo e que eu não esteja enferrujada. Sinto muito pela demora para quem gosta dessa fic e esperava um novo capítulo. Até a próxima, xoxo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Isso não é Orgulho e Preconceito
ChickLitElizabeth e Fitzwilliam dividem a mesma cidade e universidade. Além de mães loucas por Jane Austen. Se encontrarem em uma festa em que foram levados por seus amigos que também possuem características que lembram nosso casal querido, Jane e Mr. Bingl...