Capítulo 5: Silverclaw

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Mesclando-se à imensidão azul da água que os envolvia, os olhos da sereia cintilavam procurando uma direção. Não muito distante de si, e se afastando cada vez mais do porto rumo ao alto mar, estava o navio cujos tripulantes recusaram-se a deixá-la embarcar.

Abafada pela densidade do mar, a balbúrdia sonora de vozes e altercações acima dela, no porto, bastou para que Ravena se mantivesse submersa. Não distinguia muitas palavras entre os ecos difusos e pouco audíveis que chegavam até ela, mas estava convencida de que, se viesse à superfície por um momento que fosse, eles a veriam, e todo o esforço sofrido que fizeram para livrá-la dos paladinos até ali seria perdido.

Enquanto o paladino, há pouco no encalço da garota, esquadrinhava o horizonte e por toda a volta dele, inconformado com o fato de tê-la perdido de vista, Ravena nadava para longe, pelo menos cinco metros abaixo d'água, atrás do navio militar que ostentava a bandeira do país cujo povo, ela estava convicta, estava estabelecido em território bem próximo às terras bruxas.

Ficou abismada com a facilidade com que conseguiu mover a sua cauda, para cima e para baixo, criando em pouco tempo uma grande distância entre ela e o píer. Não esperava conseguir nadar normalmente depois de ter quebrado a perna naquela queda. E definitivamente não fazia ideia de como tinha se curado. Era como se nunca tivesse se machucado.

Não foi difícil acompanhar a velocidade de um barco à vela, entretanto. Quando já singrava o alto mar decorridas ao menos duas horas, Ravena viu, nas profundezas, bem abaixo de si e mais próximo do que gostaria, um vulto imenso que não podia definir com clareza, além das longas barbatanas torcicolando com celeridade e liberdade de movimento.

Seu primeiro pensamento foi o de que, a qualquer instante, veria a criatura se virar e subir na direção deles até escancarar sua boca imensa — àquela altura, ela tinha certeza de que deveria ser imensa — e engoli-los inteiros, ela, o barco e toda a sua tripulação, de uma só vez. Tal era o tamanho daquele monstro, deslizando abaixo como uma sombra.

Mas seus temores precipitados não tinham fundamento, a não ser pela simples intuição. O monstro marinho não demonstrou o menor interesse neles, nem em nada flutuando próximo à superfície. Sua impressionante silhueta de proporções gigantescas logo começou a se afastar, mais e mais para o fundo do oceano até desaparecer.

O sol reinava glorioso sobre a vastidão azul naquele dia; seus raios penetravam a água e faziam brilhar a cauda escamada de Ravena, de modo que se distraía com a beleza do lugar que a concebeu, e não esperava tempo ruim até o fim da viagem.

Mas após o anoitecer, nas primeiras horas da madrugada, ela conheceu o significado de uma tempestade violenta.

O mar se encheu de tormenta, castigando o navio sem piedade enquanto Ravena lutava para não ser carregada longe pelas ondas furiosas. O trovão rugia e o relâmpago iluminava as faces temerosas dos tripulantes do navio acima dela.

Mesmo fisicamente esgotada, Ravena resistiu a noite toda contra as águas turbulentas que tentavam arrastá-la, empregando todas as suas forças para que não se afastasse do barco. Os marujos, sob o comando e os berros altivos do capitão, amarravam e desamarravam cordas, arriavam velas, desfaziam-se de barris de cidra e rum (alguns deles, com lágrimas nos olhos), e carregavam isto e aquilo para um lado e para o outro do convés.

A tempestade perdurou até o amanhecer. E, pela manhã, fosse por milagre ou pura determinação, da parte dos marujos ou de Ravena, o renitente navio ainda flutuava no oceano, sobre as águas calmas do mar apaziguado pela alvorada, e a sereia, estava ainda em seu encalço.

A partir dali a viagem foi um tanto mais fácil, embora Ravena se sentisse faminta e cansada, após quinze dias perseguindo aquele barco.

No décimo quinto dia, os tripulantes avistaram terra e o capitão deu a ordem para atracarem, segundo a sirene pôde deduzir através da agitação e da gritaria que vinham do barco. Ela continuou a segui-los, mas quando lançaram ao mar a âncora e desembarcaram em pequenos botes para chegar até a praia, ela enxergou ali uma oportunidade.

A Guerra dos Sirenes (Suspensa)Onde histórias criam vida. Descubra agora