Ravena limpou o suor da testa com as costas da mão, se apoiando no esfregão enquanto analisava o chão que tinha acabado de limpar.
O convés naturalmente jamais seria um local absolutamente limpo e impecável, mas já havia passado por todos os cômodos e dependências do navio e agora só lhe restava o convés. Bem... ela também poderia voltar para o porão (basicamente uma sala de pólvora e munição onde ficavam os canhões) mas se o fizesse nunca mais sairia de lá. Era como tentar esvaziar um lago alimentado por quedas d'água com um mísero balde.
Depois daquela, no entanto, o convés era o último local a permanecer limpo. Homens arrastando coisas para lá e para cá, derrubando pólvora e outras coisas que enchiam os barris naquele barco por todo o lado, sem mencionar a bebida que escorria pelos furos em seus barris avariados. Ou as cascas de fruta que os marujos jogavam no chão depois que saciavam a fome.
Um deles, enquanto a sirene ainda movia o esfregão para cima e para baixo, atenta à sua tarefa, escarrou sonoramente e depois cuspiu uma enorme bola de lostra no chão que a garota havia acabado de limpar.
— Ora, mas o que é isso! — exclamou indignada, olhando para o marujo escarrador com a agudeza de quem exige satisfação.
Como ninguém lhe deu atenção, e todos no convés apenas seguiam trabalhando, ocupados com seus afazeres de rotina (inclusive é claro o pirata que tinha cuspido no chão), Ravena simplesmente jogou o esfregão no chão insistentemente imundo com uma bufada de revolta, e pôs-se a esbravejar:
— Pois eu é que não vou limpar isso! Já chega, não vou mais mover um dedo, estão ouvindo? Podem dizer a sua capitã que...
— Me dizer o que?
Ouviu aquela voz fria e intimidante às suas costas e se virou com um sobressalto para encarar aquela expressão dura e implacável. Não percebeu Silverclaw tão perto de si até aquele momento, mas tentou não se amedrontar diante daquela figura temível.
— E-eu... — sentiu que começava a gaguejar e engoliu as palavras para recuperar a firmeza da fala. Respirando fundo, tornou a encarar a capitã com o máximo de resiliência que pôde. — Eu não vou continuar a esfregar esse chão que ninguém se preocupa em manter limpo. Seus marujos basicamente zombam do meu trabalho, jogando lixo e cuspindo no chão que estou tentando limpar. Esse serviço é tão inútil quanto tentar esvaziar o próprio oceano.
— E gostaria de fazer um serviço mais útil? — perguntou a capitã com a casualidade que a tornava ainda mais ameaçadora.
A sirene, por sua vez, esforçou-se para não perder a coragem.
— Na verdade, sim.
— Então, está bem. Pode ficar pendurada pra fora do navio e remover as cracas do casco, ou, talvez eu coloque você no porão pra ajudar os rapazes com os canhões. Mas é bom tomar cuidado lá embaixo... Malib gosta muito de fumar e acaba explodindo alguma coisa por acidente de vez em quando. Bambo perdeu a perna assim.
Ravena engoliu em seco. Ouviram um estrondo e ambas se viraram para olhar: era o velho pirata da perna de pau, caído no chão enquanto os outros riam à sua volta, e ele, por sua vez, soltava xingamentos desdentados aos quatro ventos. Nesse meio tempo, Mortimer, o cozinheiro e faxineiro do navio, se aproximou da capitã na visível intenção de lhe falar, mas quando ele abriu a boca a mulher cortou sua fala antes mesmo que começasse.
— Eu também poderia te enviar como batedora quando chegarmos em Namut — Silverclaw retomou seu discurso, dirigindo-se à nova tripulante insatisfeita. — Geralmente mandamos três batedores por vez, mas... se quiser ser útil, realmente útil, então poderá ir sozinha, assim vou arriscar menos homens. Já perdi Albert e Udet para aqueles dentes-vermelhos na Ilha do Diabo...
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A Guerra dos Sirenes (Suspensa)
FantastikUma das únicas sereias vivas após a caçada sanguinária que perseguiu sua espécie, Ravena passou os últimos dezoito anos da sua vida entre os humanos, adotada por uma família de pescadores. Apesar da relativa paz que o seu isolamento proporcionou, os...