Capítulo 6: A bordo do Medusa de Prata

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Da próxima vez em que acordou, piscando e aos poucos se apercebendo das coisas, Ravena viu um rosto conhecido: o mesmo pirata que tinha servido a ela sua última refeição, e que a conduziu à prancha logo depois. Era corpulento e de aspecto surpreendentemente austero e honesto. Devia ter a idade de seu pai, ou talvez fosse um pouco mais novo, mas seu rosto era marcado por cicatrizes, pequenas rugas e experiência. Apesar disso, tinha belos traços, e olhos azuis tristes e profundos, carregados de penitência.

Ravena tentou se mover, mas a dor a fez mudar de ideia. Notou que sua cintura estava enrolada em tiras largas e compridas de tecido branco, aparentemente limpas, não fosse a enorme mancha de sangue ao redor do abdômen. A segunda coisa que notou, foi que estava sobre a mesa redonda e empoeirada da cozinha imunda que encontrou no interior do navio pirata, algumas horas antes.

— Então, acordou. — O pirata, que estava de costas para ela, ocupado com outras coisas, tinha se virado e visto que sua paciente recobrara a consciência.

Ravena sacudiu a cabeça, confusa.

— Por que estou aqui?

— Para se recuperar do ferimento, não é óbvio? — respondeu o pirata num tom que, apesar de calmo, tinha um quê de impaciência.

— Mas... — com algum esforço, se apoiou nas duas mãos e finalmente conseguiu se sentar. — Vocês atiraram em mim. Por que cuidariam de alguém que vocês mesmos queriam matar?

— Scanelli atirou em você, mas foi contra as ordens da capitã — explicou. — Ela nos disse pra te trazer a bordo.

— Ela disse? — A sereia estava ainda mais confusa do que antes, incapaz de compreender. — E por que ela diria uma coisa dessas?

— Você faz perguntas demais — ele quis encerrar a conversa, indisposto para mais explicações. — É melhor ficar aí quieta e descansar um pouco, por enquanto. Mortimer vem te trazer comida daqui a pouco.

A terceira coisa que Ravena pôde observar, e que achou incrível não ter percebido antes, foi que seu vestido estava todo levantado para expor o ferimento enfaixado, e agora, usava calças.

De repente entrou em desespero.

— O que fizeram comigo?

O homem encarou o rosto preocupado da garota e franziu as sobrancelhas, sem entender.

— E quem vestiu essas calças em mim? — insistiu ela.

— Fui eu — ele disse simplesmente, então se deu conta do que a estava perturbando. Resolveu esclarecer tudo e tranquilizá-la. — Não se preocupe, ninguém aqui tocou em você. É contra as regras da capitã. Ela me disse pra te vestir antes mesmo de tratar a ferida.

E, dizendo isso, o pirata se retirou, deixando Ravena sozinha com seus pensamentos e perguntas. Aquilo era muito estranho... a capitã do navio mandou salvá-la, depois de tentar executá-la jogando-a em alto mar? O que, naquele mundo, poderia tê-la feito mudar de ideia?

Quase uma hora depois, outro pirata entrou, trazendo uma bandeja de prata (certamente roubada) com um prato de peixe frito, algumas laranjas e uma caneca. Quando a bandeja foi posta à sua frente, Ravena percebeu que o conteúdo da caneca era cerveja, pelo cheiro e também pelo aspecto.

Ainda se lembrava da vez em que Tristan trouxera um barril inteiro para casa da capital, para comemorarem o festival de Hav. O gosto era realmente horrível.

— Fiquei sabendo que tinha acordado, então me mandaram te trazer isso aqui — o marujo deixou a bandeja sobre a mesa onde a moça estava sentada, ao lado dela, e esfregou a mão direita nas vestes como se para limpá-la, antes de estendê-la para a garota com um gesto amigável e um ligeiro sorriso. — Sou o Mortimer.

A Guerra dos Sirenes (Suspensa)Onde histórias criam vida. Descubra agora