Metamorfose ambulante

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Acho que quando Raul Seixas disse naquela música que somos uma metamorfose ambulante, ele estava falando a verdade. Me peguei pensando nisso esses dias enquanto procurava uma forma de escrever essa crônica, pois tinha prometido a alguém que a escreveria.

Realmente acredito que a melhor metáfora para descrever a passagem dos anos é a metamorfose de uma borboleta. Primeiro, tem-se uma lagarta que come e come até não poder mais para se preparar para o momento turbulento que é a metamorfose propriamente dita. Depois, ela entra num casulo apertado e pequeno no qual sofre as transformações mais bizarras possíveis para, por fim, se tornar uma coisa totalmente diferente da que entrou: uma borboleta. Para você ter ideia, meu caro leitor, uns bons anos atrás, lagarta e borboleta eram consideradas espécies distintas por serem tão diferentes uma da outra, mas sabemos muito bem que elas são a mesma espécie.

Quando comecei a formular essa metáfora, percebi que a fase de lagarta é justamente a infância, fase da vida em que nós apenas absorvemos e aprendemos o que o mundo tem a nos oferecer, mal sabendo nós que no futuro teremos que por esse pouco conhecimento à prova. Um pouco mais tarde, vem o casulo, mais conhecido como a maldita adolescência. Se você está passando ou já passou por esse período, sabe muito bem que é uma época conturbada e de muitas mudanças tanto corporais quanto sociais e mentais - eu diria que as duas últimas são as piores. É nessa hora que, infelizmente, você tem que começar a fazer escolhas pensando na borboletinha em que você quer virar e essa não é uma tarefa fácil. É nessa hora que você começa a ter consciência do mundo quebrado em que você vive - não é mais aquele mundinho colorido em que todo machucado se resolve com um beijinho de mamãe. É nessa hora que você percebe que alguns amigos não são tão amigos assim. É nessa hora que todas as suas crenças são questionadas e você tem que escolher se vai continuar com elas ou vai atrás de novas. É nessa hora que você começa a descobrir coisas sobre si mesmo que preferiria que tivessem continuado guardadas no fundo do baú. É nessa hora que você tem que achar onde pertence no mundo. É nessa hora. É nessa hora. É nessa hora...

Tudo isso pra se transformar na bendita borboleta.

Acho que cada pessoa tem seu próprio tempo dentro do casulo. Antes eu achava que com a chegada dos 18 anos todo esse processo sofrido viria ao fim, mas com a proximidade desse evento começo a perceber que não é bem assim. Algumas pessoas entram nele cedo demais e acabam tendo que sair dele também muito cedo. Outras entram no tempo certo, mas por infelicidades do destino precisam amadurecer depressa para encarar as cobranças da vida. Outras ainda têm casulos que teimam em não se romperem. Tenho a impressão de que o meu é este último. Sinceramente, não sei o que é pior: passar por essas provações todas de uma vez ou elas terem intervalos entre uma e outra, demorando a acabar.

Me pergunto se a lagarta sofre também dentro do casulo para se transformar em borboleta.

Eu mesma entrei no meu casulo no tempo certinho, sem nem saber o que aquilo significava. Estava ansiosa por aquela nova fase da vida, mas não sabia que junto com as muitas memórias boas também viriam muitas outras que iria querer esquecer. Mas essa é a realidade, né? Não dá pra ser feliz o tempo todo - se até a lagarta e a borboleta têm que fugir de predadores ou coisas do tipo porque comigo seria diferente? 

Uma mania nossa é admirar o tempo todo só a borboleta. Suas cores, sua beleza, sua delicadeza. Mas a gente esquece que um dia ela foi casulo e lagarta. A gente esquece de todo o processo que a levou até esse momento. A gente esquece que lagarta e borboleta são a mesma espécie. Por mais que as duas pareçam tão diferentes, a única coisa que as separam é o tal do casulo: essa experiência de mudança, de amadurecimento, de evolução. Somos do mesmo jeito. Ainda levamos alguns trejeitos daquela criança travessa que um dia fomos, assim como a borboleta leva os mesmos genes da lagarta dentro de si, o que muda agora é que fomos moldados a ferro quente pelas adversidades que a vida jogou em nosso colo, pelas pessoas que cruzaram nosso caminho, pelas experiências boas e nem tão boas assim que passamos, pelas coisas que aprendemos e pelas histórias que vivemos. Tudo isso nos transformou e nos transforma nas pessoas que somos hoje. Somos uma metamorfose ambulante.

A verdade é que, apesar de todo o sofrimento que vem junto com esse processo, está sendo divertido ver o desenrolar de algumas descobertas. Mal posso esperar pra conhecer a borboleta que eu vou ser.

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