Se ao menos uma lágrima saísse de seus olhos, eu não estaria tão aflita.
A mão fria de Phillip segurava a minha enquanto o longo sermão do padre se misturava com choros e grunhidos daquela vizinhança, incluindo os da minha mãe ao meu lado. Se não fosse um momento tão delicado, eu poderia dizer a ela para tentar não chamar tanta atenção.
Não deve ser fácil perder uma amiga de tantos anos, são poucos os amigos que sempre estiveram ao seu lado quando precisou, amigos que apartam todas as brigas e que te defendem com unhas e dentes. A senhora Lewis era uma das mulheres mais bondosas que eu já conheci e a melhor companhia que minha mãe teve desde a separação. Se não fosse pela amizade delas, minha mãe teria partido dessa cidade com a roupa do corpo atrás do cara que a traiu com mais de quinze mulheres.
É sempre bom ter alguém que nos coloque nos eixos da realidade. Talvez fosse uma pena minha mãe não ter conseguido fazer o mesmo por ela. Ou talvez, eu por...
Ele não saiu do canto da capela e não ousou encarar o caixão, mas em nenhum momento desde a chegada do corpo, ele saiu daquele local. Sua cabeça estava fixa, abaixada, mas suas mãos estavam inquietas ao deslizar sempre seu polegar sob os outros dedos. Eu tinha certeza de que ele estava chorando, mesmo que não pudesse vê-lo claramente através dos seus óculos escuros e sua postura rígida.
Senti minha mão ser apertada com um pouco mais de intensidade e percebi que todos já haviam sentado. Eu poderia sair dali e dizer algo reconfortante, mas depois de tantos anos, eu não saberia o que seria apropriado.
Eu observava a culpa em seus movimentos, o mesmo sentimento de anos atrás. O mesmo olhar fixo ao chão que o quebrou pela primeira vez. Depois do sermão, a capela ficou silenciosa, ainda exceto pelos soluços das pessoas que choravam. A vizinhança sempre evitava se aproximar de Ethan ou de sua família, e ainda assim o fazia naquele momento.
Ver Ethan daquele jeito era como um soco no estômago. O homem forte e destemido que eu conhecia parecia ter desmoronado em questão de segundos.
Mas eu não ia deixá-lo sozinho. Ethan precisava de alguém para apoiá-lo, para ajudá-lo a atravessar aquele momento tão difícil e como da última vez, eu estaria ali.
Afastei a mãos de Phillip que me puxavam para sair dos bancos. Andei em direção a Ethan, ainda com sua postura inabalável. Me aproximei e minhas mãos pareciam não me obedecer. Em impulso, eu tentei abraçá-lo.
Porém, ele me afastou com brutalidade.
- Me deixa em paz - disse ele com um tom áspero e ríspido - Por que você está aqui?
Não recuei. Fiquei ali diante dele, olhando em seus olhos e esperando por uma nova reação. Ethan respirou fundo e se virou para me encarar. Ele tirou os óculos escuros e, por um breve instante, nossos olhos se encontraram.
Por trás daquela fachada de raiva e desespero, havia dor e o sofrimento. Segurei sua mão, sentindo a frieza de sua pele contra a minha e um brilho que não estava lá antes surgiu.
- Obrigado por vir - Ethan suspirou em um tom mais calmo - Eu não estou muito bem, desculpe se fui grosso com você.
Balancei a cabeça em sinal de compreensão.
- Ethan, sinto muito pela sua perda - Phillip se aproximou de nós, tentando ser solidário.
Ethan simplesmente acenou com a cabeça em resposta, sem dizer uma palavra.
- Obrigado, Julliane - Ethan me encarou com um sorriso triste e eu o respondi da mesma forma.
Phillip segurou minhas mãos novamente, me direcionando em silêncio pelo corredor, até chegamos ao estacionamento.
- Você não acha que foi um pouco estranho o jeito que esse Ethan te tratou lá dentro? - ele pergunta, quebrando o silêncio.
- Ele está passando por um momento difícil. Acho que ele só precisa de um pouco de espaço - era bastante compreensível e não poderia o culpar por tanto. Quem havia ido embora da cidade primeiro, tinha sido eu. Eu desisti de tentar, eu havia sido egoísta.
- Você sempre defende ele assim?
O encarei não por estar surpresa com seu tom provocador, mas por querer dizer que Ethan tinha culpa por ser alvo de ataques dos seus comentários maldosos.
O silêncio e a tensão entre nós era evidente e nossos olhares se evitavam. Ele ligou o rádio, tentando amenizar a situação, mas a música parecia só aumentar o desconforto. Odiava como ele controlava a situação.
Finalmente chegamos à casa de minha mãe e eu nem poderia acreditar que estaria aliviada ao entrar ali. Logo ela saiu com seus incríveis brincos de ouro e ainda usando o seu vestido preto, nos apressando para entrar.
Ela tentou ignorar completamente a expressão desagradável de Phillip, mas saiba que seu olhar estava atento. Sentamos na sala de estar, e eu percebia que a perda da senhora Lewis era dolorosa para ela. Aceitei os biscoitos amanteigados, enquanto minha mãe sentava em sua poltrona, deixando seus óculos escorregarem um pouco em seu nariz.
- Foi um dia tão difícil, minha Julli. Ela vai fazer muita falta para mim. Ellen era como uma irmã.
- Eu sei, mãe. Sinto muito também - era difícil ver minha mãe se abrir em sentimentos e era mais difícil para mim conseguir ouvi-los sem ter a sensação de culpa.
- Foi uma pena que o marido dela não pôde estar presente no velório. Você sabe por que ele não apareceu? - Phillip se serviu de mais alguns biscoitos, enquanto minha mãe o encarava de cima a baixo.
- Ah, sim. Eu soube que ele havia viajado pouco tempo antes da morte dela.
- Mas, mesmo assim, ele poderia ter feito um esforço para comparecer ao velório, não acha? - ele mastigava enquanto tentava saber mais, afoito. E apesar de sua pergunta inofensiva, havia com certeza a falta de paciência de minha mãe, notei que os músculos delas se enrijeceram ao tocar nesse assunto. Ela está escondendo algo.
- Ele ainda não voltou? - perguntei.
- Não... E não sei se ele teria coragem - suspirou, tentando relaxar suas costas na poltrona - Desde que, bem, Ethan saiu da cidade, a relação entre os dois se tornou... estranha - minha mãe decidiu não dizer mais nada, há mais coisas que ela não está contando.
- Faz sentido, mãe. Já que ele é o tio do Ethan - me levantei tentando manter minha cabeça um pouco mais fria. Um frio na espinha sempre tomava conta de mim quando me lembro o momento em que Antony entrou a primeira vez naquela casa, levando poucos minutos para a polícia estar ali também e Ethan começar a ter problemas.
- Sim, eu sei. Mas não podemos especular nada sobre isso agora. Devemos lembrar das boas memórias - ela suspirou forçando sua cabeça para trás.
Eu a encarei, percebendo um olhar penetrante vindo dela, sabemos a verdadeira razão da ausência de Antony.
Encarei a vidraça e senti meus olhos cegarem pela luz que se aproximava na casa vizinha. Quando o farol abaixou, notei que Ethan havia retornado para sua antiga casa. Ouço os burburinhos de minha mãe sobre o quanto aquele local ficará ainda mais vazio, enquanto noto uma mudança na postura de Ethan. Ele parecia tenso e cauteloso, diferente do seu comportamento habitual. Me aproximo ainda mais da janela para observá-lo com mais atenção.
Enquanto isso, minha mãe continua falando com Phillip sobre como a morte de Ellen afetou profundamente a todos. Porém, não consigo me concentrar em suas palavras.
Ao se aproximar da porta, Ethan encarou estático e parecia ter percebido que alguém o observava. De repente, ele se afastou da casa e começa a caminhar em direção à sua moto.
Mas que raios ele estava tentando fazer ali?
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Segredos de um passado
RomanceQuando Julliane decide voltar para sua cidade natal para dar forças e reencontrar seu melhor amigo, Ethan, ela não tinha ideia de que estava prestes a enfrentar um turbilhão de emoções e revelações surpreendentes. Ethan, que sempre foi o seu porto s...