Enclausurada

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Estou há tanto tempo aqui que já perdi a noção de dia e noite. A luz acima de mim me ilumina constantemente. A única forma de fugir dela é quando eu fecho os olhos e durmo.

O barulho das chaves do homem que traz a minha refeição é o único som que eu ouço durante o dia. Uma vez ou outra eu ouço gritos de desespero, provavelmente de alguém novo. A maioria de nós já nem sente mais.

Espetaram tanto meu cérebro, o deram tantos choques que eu acredito que ele deixou de me fazer sentir... Para me proteger.

Eu marco o passar dos dias desde que cheguei aqui. Eu tenho medo. Vai ser doloroso ter certeza de que ele se esqueceu de mim. Que está bem vivendo sem mim.

Ouço as chaves chacoalhando, cada vez mais perto. Em poucos instantes, a minha porta se abre.

– Vamos? – pergunta o mesmo homem que traz a minha refeição.

Eu me levanto e ando em direção à porta. Quando passo por ela, espero um segundo para que ele a feche. Quando ele o faz, segue a passos rápidos na minha frente e eu o sigo, um pouco cambaleante. Andar se tornou estranho; não me sinto mais confortável no meu próprio corpo. Engraçado, né?

Percorremos um corredor onde ficam vários quartos como o meu. Nas portas deles há uma pequena abertura que está sempre fechada. Ela se abre apenas quando alguém vem entregar ou recolher a comida. Nas paredes do corredor há rabiscos, frases e palavras soltas, incompreensíveis, em cima umas das outras. Há um desenho que parece ter sido feito com fezes.

Eu sei que você deve estar julgando a pessoa que fez isso, mas você precisa entender que aqui não existe muito que fazer. Uma vez ou outra chega alguma turma de alunos, todos vestindo jalecos brancos e com caras de assustados. Todos eles olham para nós como se fossemos animais que pudessem atacá-los a qualquer instante. Eu me divirto um pouco, não vou mentir.

Mas é isso. Eles vêm, circulam pelo pátio e pelos corredores, alguns param para nos escutar, mas não se demoram. Prometem voltar, mas nunca voltam. Se eles soubessem que existem tantas pessoas que realmente acreditam e os esperam, eles não diriam isso. É cruel.

Chegamos ao local que é usado como sala de recepção. Existem apenas algumas pessoas, segurando pranchetas, no banco grande de concreto que circunda toda a parede.

Nem um sinal dele.

O homem que me trouxe vai até a senhora que atende quem chega. Diz algo para ela e aponta na minha direção. Ela olha para mim, com o que parece ser pena. Abaixa o olhar para alguns papéis e parece procurar por algo. Vira a página uma vez, mais uma e mais outra. Olha para o homem e balança a cabeça negativamente.

Ele não veio.

Parte de mim já estava preparada para isso, mas ainda assim, é difícil. Sinto um aperto no peito e, involuntariamente, lágrimas escorrem pelo meu rosto. Eu vou até o banco e me sento, com o rosto apoiado nas mãos. Meus ombros tremem. A minha respiração fica entrecortada e eu sinto que se o chão se abrisse aos meus pés eu não iria me importar.

Sinto um toque no meu ombro. Presumo ser o homem querendo me levar de volta para o meu quarto, então não me mexo.

– Marta?

Essa voz. Não pode ser.

Levanto o rosto, temerosa e o vejo surgir diante de meus olhos.

Ele veio. 

Se Prestasse Bastante Atenção & Outros ContosOnde histórias criam vida. Descubra agora