A garota de cabelos azuis

4 2 0
                                    

Paulo chega ao ponto de ônibus e assim que se senta um senhor ao seu lado começa a reclamar. Parece que o motorista do ônibus não parou para ele.

– Logo, logo aparece outro – diz Paulo.

E estava certo. Poucos minutos depois, o ônibus apareceu.

Paulo subiu, só que dessa vez sem cumprimentar o cobrador, que tinha sido rude com ele da última vez. Após passar pela catraca, Paulo vai em direção a um assento vazio do lado direito do ônibus, ao lado da janela.

Ele abre sua mochila e pega o fone de ouvido. Esse estava um pouco molhado pois estava no mesmo bolso que a sua água e ao tentar enxugá-los Paulo deixa que a borrachinha dele se solte. Por sorte, ele logo a encontra, então tira seu celular do bolso e conecta o fone.

Paulo coloca Little Joy para tocar. Fazia bastante tempo que não ouvia, mas desde que recomendara a uma amiga, não conseguia deixar de ouvir e de se perguntar por qual motivo sempre acabava se esquecendo das bandas que gostava. Quer dizer, ele sabia que não dava para ouvir todas as bandas que gostava todos os dias, então foi uma pergunta retórica.

O ônibus passou por uma curva fechada que sempre o fazia se segurar e, um pouco depois, Paulo sentiu um aperto no peito. Não achou que fosse nada, já que ele passou depressa.

Tão rápido quanto o primeiro, um novo aperto no peito surgiu e Paulo sentiu tudo ficar escuro.

Algum tempo depois Paulo retoma a consciência e se encontra em pé, de frente para o seu corpo sem vida, sentado com a cabeça apoiada no peito.

O ônibus tinha parado e todos tinham saído.

– O que houve? – pergunta Paulo, para si mesmo, dada a situação.

Ele vai até a porta do meio, que estava aberta.

– Olá – diz ele, para as pessoas que estavam do lado de fora. – Eu estou aqui. Está tudo bem.

Paulo desce do ônibus e agita os braços na frente de uma mulher, mas essa parece não vê-lo.

– Ok. Parece que eu morri – diz ele. – Será que eu deveria ir para a faculdade mesmo assim? Acho que não iria fazer diferença, eu não conseguiria responder à chamada, de qualquer forma.

O irônico é que Paulo sempre imaginou como seria legal ser invisível, mas agora que de fato era não estava achando tão legal assim.

– O que eu faço?

Paulo de repente sente uma liberdade nunca antes sentida. Quer dizer, ele já estava morto mesmo, não tinha nada que pudesse fazer. Talvez ele devesse fazer tudo o que sempre quisera, mas que não tinha tido coragem.

– Será que eu consigo atravessar paredes?

Ele olha ao redor em busca de um lugar em que pudesse testar essa sua dúvida e vê um lugar perfeito do outro lado da rua.

Paulo vai então até o acostamento e espera que o sinal abra para ele.

– Eu poderia tentar atravessar os carros. Qual o pior que poderia me acontecer?

Paulo coloca, cautelosamente, o pé esquerdo na pista e, antes que possa colocar o direito, ouve uma voz cortando o ar.

– Ei! O que você pensa que está fazendo? – pergunta uma garota de cabelos azuis atrás dele.

Paulo olha ao redor para ver se tinha mais alguém ao seu lado, mas não. Ela estava falando com ele.

– Espera um pouco, você consegue me ver? – pergunta Paulo, confuso.

– Por que eu não conseguiria lhe ver? – pergunta a garota, como se ele tivesse perguntado algo absurdo.

– Porque ninguém no ônibus me viu – diz Paulo. – E porque, bem, eu estou morto. Aparentemente.

– Você não está morto, apenas não está mais no mundo dos vivos.

– E o que isso significa?

– Significa que você não está vivo, mas também não está morto.

– Então eu sou um zumbi?

– Não seja ridículo, zumbis não existem. Isso significa que você ainda pode voltar à vida.

– Ok – diz Paulo, tentando dissolver tudo aquilo que acabara de ouvir. – Minha cabeça está começando a doer.

– Bem, tecnicamente, não está. Você não está mais vivo, então, não pode mais sentir dor.

– Então por que você me impediu de atravessar a pista?

– Você me pegou. Deve ter sido um reflexo.

– Espera um pouco, quem é você mesmo? – pergunta Paulo, como se pela primeira vez percebesse que tinha se esquecido de perguntar algo, assim, importante.

– Eu sou uma das guardiãs dos Portões do Mundo Espiritual.

Paulo para por um instante, olhando para o nada.

– Está bem – diz ele, depois de um breve momento de silêncio. – Vamos pular essa parte. Você me disse que eu poderia voltar à vida, não disse?! Então, o que eu preciso fazer?

– Bem, tecnicamente, você só precisa acordar.

– Como é? – pergunta Paulo, como daquela vez em que tirou uma nota alta em física e não conseguira acreditar no que estava acontecendo. – Eu estou dormindo?

– Bem, está.

– Então isso aqui é um sonho?

– Bem, é.

– Você está me zoando?

– Por que estaria?

– Não sei, por que não estaria?

– Como é? Você está me deixando confusa – diz a jovem. – Você está dormindo, logo, isso é um sonho, logo, você só precisa acordar.

– Ah, puta que pariu.

Se Prestasse Bastante Atenção & Outros ContosOnde histórias criam vida. Descubra agora