Carta de desculpas

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Olhar para você ainda me causa vertigem. Mesmo de longe, muito longe. Mesmo quando eu te vejo refletido numa fresta de espelho, ou nos olhos de outra pessoa. E você está correto. Alinhado. Feliz. E calmo, como sempre foi. Está muito mais calmo do que da última vez em que falei contigo, quando você me testou para ver se ainda éramos amigos. E eu disse que sim. E era verdade. E nós nunca mais nos falamos outra vez.

Te vi, é claro, em outras ocasiões, mas fingindo serem as primeiras vezes que te via, olhava despretensiosamente de longe, como quem olha uma coisa bonita e finge não estar intrigada. E simulando inocência eu revirava por dentro os meus pecados, sem saber que outros mais estaria por cometer. E sem perceber ainda o quanto eu havia falhado com você.

Sempre fui sincera. Mas minha honestidade nunca foi justiça em seus ombros. Justiça seria se eu tivesse mentido tudo, ou melhor ainda, não tivesse falado nada. Eu deveria ter passado por você do mesmo jeito que você passava por mim. E então o meu texto seria exatamente assim: nada, nada, nada.

Desculpa. Desculpa por ocupar seu tempo. Por insistir nas coisas que sempre estiveram perdidas desde o princípio. E por querer ficar quando você claramente queria que eu fosse embora. E por querer falar quando você só ansiava pelo meu silêncio. E por te olhar com adoração, como se você fosse a coisa única do mundo.

E é por isso, que de mim vem espanto toda vez que eu vejo a sua calmaria. Porque nunca tive a chance de te ver feliz, com os olhos brilhando... De mim você nunca teve paz, tranquilidade ou alegria. Agora eu vivo nos intervalos das minhas noites mal dormidas, pensando que a minha verdade sufocante te fez dizer absolutamente tudo o que eu mais desejava, e tudo aquilo que você me falava era mentira.

Se foi pena, compaixão, indiferença, ou qualquer coisa do tipo, eu peço desculpas por influir em ti a inverdade cotidiana, necessária, para que você lidasse comigo.

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Imagem de capa: Laura Lacambra Shubert

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