Capítulo 11

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Helena

Eu achei que as coisas seriam até mais complicadas.

Mas trabalhar com Nikolas era silencioso. Fazia algumas semanas que eu estava trabalhando para ele, sempre com a mesma rotina. Eu chegava de manhã, Andréia me servia um segundo café da manhã e eu entrava no escritório, já com Nikolas lá dentro. Discutíamos algumas coisas sobre os contratos, contatos, e estratégias de lançamento, ele dava sua opinião, e voltava ao seu trabalho. Ele não almoçava comigo, nem com Andréia, já que essa estava sempre junto a mim nas refeições.

Mas com o tempo já estava acostumada com a sua presença silenciosa. Às vezes eu ousava brincar com algum assunto, Nikolas dava uma risada mas logo voltava a seu semblante blasê de antes.

Naquele dia, porém, depois de comer bolinhos que Andréia tinha fritado naquela manhã, entrei no escritório e pela primeira vez Nikolas não se encontrava lá. De início me sentei no meu lugar e comecei a trabalhar. Mas eu estava mais inquieta, como se faltasse alguma coisa.

Era estranho sentir aquilo. Não que eu estivesse sentindo a presença de Nikolas ali, mas sabe quando você se acostuma a todo dia ver uma coisa no mesmo lugar, e de repente aquilo não está mais ali, e você busca descobrir o que tem de errado, mas não consegue encontrar? Era assim que eu estava me sentindo. E aquilo estava me deixando nervosa.

Resolvi então experimentar algo que eu havia ganhado permissão, mas nunca havia feito.

Trabalhar de outro local da casa.

Assim que meu notebook estava com a carga completa, coloquei-o debaixo do braço, peguei meu caderno e caneta e saí daquele escritório.

Eu não fazia ideia para onde iria, nem até onde minha presença era permitida, mas estava a fim de arriscar e descobrir novos lugares.

Sai pela porta dos fundos que dava para um grande jardim. A casa era grande, mas nada se comparava com aquela visão. Eu já tinha visto um pouco dela pela janela do escritório que ficava atrás de Nikolas, mas ali, sentindo o cheiro de tudo, era completamente diferente.

Tinha um aspecto daquelas casas antigas, que me davam a impressão de que a qualquer momento chegaria alguém montado em uma carroça.

Do lado direito, mais afastado, havia um lindo cantinho, todo em madeira com algumas trepadeiras já dominando o lugar. Havia alguns puffs e uma rede. Logo à frente tinha uma grande piscina, que contava com algumas cadeiras com ombrelones espalhados em torno dela. O resto do lugar era todo gramado, com algumas pedras fazendo caminho para vários lugares. E um deles me chamou a atenção.

Era uma estufa enorme, toda em vidro em formato redondo. De fora já dava para ver todas as cores que existiam lá dentro.

Peguei um dos caminhos e segui até a porta da estufa, que por sorte estava destrancada. Nikolas havia me dado permissão para trabalhar de onde quisesse, não era? Então eu não estava invadindo o lugar.

O cheiro que me atingiu assim que abri a porta, era inexplicável. Uma mistura de todas as flores que estavam ali. Fechei os olhos por alguns segundos, e consegui me imaginar em um campo, livre de todas e quaisquer preocupações, com o vento batendo em meu rosto trazendo o frescor daquelas flores.

Abri os olhos voltando à realidade e comecei a caminhar por entre aquele lugar, deslumbrando-me cada vez mais com cada espécie, cor e cheiro de flor que eu encontrava. O lugar era enorme. Havia uma escada que levava para um andar acima, mas me interessei por um dos cantos logo atrás da escadaria.

Era um lugar mais escondido, com duas poltronas em torno de uma pequena mesa pequena e redonda. Havia algumas almofadas sobre as poltronas que a deixavam com uma aparência ainda mais confortável.

Caminhei até elas, ainda admirando tudo ao meu redor e me joguei em uma delas. Era ainda mais confortável do que aparentava, então me acomodei e liguei o notebook para trabalhar.

O tempo foi passando, e eu nem reparei, o cheiro, conforme o sol se erguia mais e mais, foi ficando mais intenso.

Eu provavelmente havia perdido a noção do tempo ali dentro, trabalhando, pois nem mesmo notei a presença de Nikolas entrando.

Ele depositou uma bandeja sobre a mesa ao meu lado, fazendo com que eu pulasse, assustando-me com o barulho, e se sentou na outra poltrona.

— Desculpa se te assustei. Mas já está tarde, e Andréia me disse que você não tinha ido almoçar. — Olhei para o relógio do computador, constatando que já passavam das duas da tarde.

— Nossa, nem vi a hora passar. — Olhei para a bandeja, que trazia um prato com almoço. Era lasanha, arroz e batata palha, junto com um copo de suco. Provavelmente eu sentiria falta da comida de Andréia quando terminasse aquele trabalho. — Muito obrigada por isso.

Coloquei o notebook sobre a mesa e o substituí pelo prato de comida.

Nikolas permaneceu ao meu lado, olhando para frente, mas às vezes desviando um olhar de esguelha na minha direção. Ele parecia querer iniciar um assunto, mas não sabia como.

Ficamos em silêncio por alguns minutos, e eu estava me sentindo completamente sem reação. Nikolas nunca almoçara comigo, mesmo que eu fizesse isso todos os dias em sua casa. E ter a presença dele naquele momento, era algo que estava me deixando um pouco desnorteada.

— Esse lugar era um sonho do seu tio — ele quebrou o silêncio depois de um tempo.

Olhei para ele e Nikolas apenas admirava as flores ao seu redor, como se fosse a primeira vez que entrava lá dentro. Eu poderia apostar que a minha cara estava bem parecida com a dele.

— É muito lindo. Não sei se poderia ficar aqui, desculpa por isso. Mas me chamou muito a atenção.

— Você pode, claro. Te dei liberdade de trabalhar de onde quisesse.

Novamente o silêncio nos acompanhou enquanto apenas o tilintar dos talheres sobre o prato ecoava.

Puxei uma lufada de ar para meus pulmões e soltei lentamente.

— Eu queria ter tido mais contato com ele — falei, sabendo que Nikolas saberia ao que eu me referia.

— Ele também. Muito. — Ele respirou fundo. — Ele nunca se esqueceu de você. Sempre me contava histórias de quando era pequena.

Um sorriso inevitavelmente surgiu no meu rosto. Era estranho falar de uma pessoa de quem eu quase não me lembrava, e sentir tanta nostalgia. Mas no meu inconsciente, eu sabia que adorava aquele homem. Tanto que várias vezes me vinham lampejos de memórias dele, de quando eu era criança e brincava na sua loja, e ele me ensinava tudo sobre flores.

— Eu te imaginava metida. — Nikolas soltou, e eu olhei em sua direção, surpreendendo-me com o que via. Ele tinha um discreto sorriso no rosto. Era quase imperceptível, mas estava lá. — Antes de te conhecer, claro. Mas você nunca visitou Ramos, mesmo depois de sua morte, você não veio para receber o que herdara. Então eu te imaginava uma menina de cidade mimada, que não comia na mesa com qualquer um.

Ele apontou para o prato na minha frente, e no momento eu levava uma garfada generosa à boca. O que quase me fez engasgar. Era quase inimaginável pensar em mim como uma mulher de nariz em pé, que teria frescuras com qualquer tipo de coisa.

— Nossa... — falei assim que engoli a comida. — Nunca. Eu apenas não tinha muito conhecimento. Meu pai nunca mencionava esse tio.

— Eu sabia dessa historia, mas mesmo assim, tinha essa visão sua.

— E o que te fez mudar?

Nikolas virou o rosto na minha direção, desta vez dirigindo-me aquele discreto sorriso que deixava seu rosto mais iluminado. O cabelo curto e negro como a noite, estava um pouco desgrenhado, fazendo com que caíssem algumas mechas sobre a testa. Ele era realmente muito lindo.

— Te observar esse tempo que está trabalhando aqui. Sem contar que Flávia sempre me fala muito bem de você, assim como Andréia, que parece estar se apaixonando cada dia mais por você.

Retribuí seu sorriso e ficamos ali por mais algum tempo, enquanto eu terminava meu almoço.

Aquele foi o ponto em que Nikolas começaria a deixar sua veste de Fera, mostrando-me cada dia mais o homem que ele era.

A Herdeira e a FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora