Capítulo 15

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Nikolas

Eu não era adepto a festas. E todo mundo sabia disso.

Mas como dizer não quando um par de olhinhos brilhantes me pedia com toda a meiguice do mundo?

Lá estava eu abotoando o terno azul com detalhes em amarelo sobre a camisa branca. Dei uma olhada no espelho, conferindo meu visual. Realmente aquela fantasia combinava com o meu tamanho.

Não seria uma festa grande. Na verdade, não poderia nem considerar aquela reunião como uma festa.

Era aniversário de José, e o menino insistira em fazer algo a fantasia, então teríamos bolo, salgados e algumas fantasias. Mas tudo na minha casa, na companhia apenas das pessoas em quem eu confiava.

— Aqui está, que coisa feia! Você vai acabar assustando o Zé.

Andréia entrou, trazendo uma parte da minha fantasia. Assim que ela me entregou, abri um sorriso para ela.

Eu vinha dando alguns sorrisos a mais do que antes. Principalmente quando estava com Helena do meu lado. Sua companhia parecia me deixar mais leve. E principalmente depois do que aconteceu quando nos beijamos. Às vezes repetíamos o beijo, e era cada vez melhor.

— Ele vai amar. E eu não poderia ter escolhido fantasia melhor para mim.

Olhei para Andréia, finalmente reparando em sua fantasia. Ela usava um vestido normal, em um tom de azul bem parecido com meu terno e por cima, jogado em suas costas, uma capa vermelha com um capuz.

— E isso ai, é a Chapéuzinho Vermelho?

— Mas é claro. — Ela deu uma volta em torno de si mesma. — Não está na cara?

— Muito. É totalmente lógico, e eu adorei.

Coloquei o restante da fantasia, que consistia em uma cabeça com chifres e alguns pelos.

— Essa fantasia não condiz com você — Andréia resmungou de um canto do quarto enquanto me observava ficar pronto.

— É a que mais combina. Se eu não me fantasiasse de Fera, como manteria minha reputação?

Falei enquanto dava uma volta em torno de mim mesmo, como ela havia feito há pouco tempo .

Usei a Fera como uma forma de brincar e descontrair um assunto que muitas vezes me deixava irritado. Mas aquele dia eu estava muito calmo, nada poderia me abalar.

Desci com Andréia para ajudá-la a terminar de organizar tudo.

Seriam coisas simples, mas José merecia tudo de melhor.

Havíamos arrumado o espaço no jardim, com uma mesa posta perto da piscina, com o bolo, vários doces e salgados. Havia algumas coisas espalhadas pelo quintal, que poderiam simbolizar alguns personagens de desenho.

— Zé vai adorar isso tudo. Uma pena que não virá nenhuma criança para brincar com ele.

— Você sabe que não é por nós. — Levantei-me encarando Andréia com a voz um pouco mais baixa que o normal.

Pensar que Zé tinha sido afetado por minha culpa me deixava muito mal. Principalmente por ele ser uma criança tão adorável e carismática. Ele merecia o melhor de qualquer um. Mas o simples fato de ter uma festa na minha casa, ou até então eu estar presente, fazia com que os pais impedissem suas crianças de comparecerem, alegando que eu seria uma má companhia para elas. Como se alguma criança fosse mesmo querer se envolver com um adulto no meio de tantos doces e brincadeiras. No final, eram os adultos que passavam esse pensamento desde a infância para uma criança, fazendo-a crescer e se tornar um adulto piorque eles.

Eu havia insistido nos primeiros aniversários de José para que eu não comparecesse, mas Flávia nunca aceitou e com o tempo fomos percebendo que seria melhor comemorarmos apenas nós do que ficarmos decepcionados com a falta de educação das pessoas por deixarem uma criança esperando.

Aquele era o quarto aniversário do Zé que passávamos apenas nós, e por enquanto isso estava bastando para ele.

Mantinha uma esperança de que desta vez, pelo menos, uma pessoa diferente estivesse presente.

— Sei que não é, menino. As pessoas que são más.

Concordei com Andréia em silêncio e me sentei assim que terminamos de arrumar algumas coisas no lugar, esperando pelos meus convidados. Novamente comecei a pensar em uma pessoa em especial, que eu esperava que viesse.

Era estranho, pois não era tão difícil saber quem eu aguardava tão ansiosamente. E mais estranho ainda, era pensar que nos havíamos visto no dia anterior quando ela estivera na minha casa trabalhando.

Quando ouvi o som do carro chegando, aprumei-me, colocando-me de pé ao lado de Andréia.

Flávia estacionou o carro já na parte de trás do quintal, e antes mesmo que ela pudesse puxar o freio de mão, a porta de trás do veículo se abriu e o meu menino saiu correndo em minha direção. Ele estava vestido todo de preto, e conforme corria, uma capa da mesma cor esvoaçava atrás de si.

Assim que ele chegou perto de mim, pulou em meus braços, eu o rodopiei no ar, e em seguida, coloquei-o no chão, abaixando-me para ficar da sua altura.

— Ai está meu garotão que faz aniversário hoje.

— Simm — ele gritou ainda em meu colo.

— E você está fantasiado de quê?

— De Batman, dindo, não está vendo? — Ele deu uma volta, fazendo com que a capa se agitasse.

— Bem que eu estava reconhecendo.

— Você está uma Fera horrível. Nem vai combinar com a Bela. Devia estar de príncipe.

— Ah, mas a beleza da Fera é interior, nem todos conseguem ver.

Sem nem dar muita atenção para o que eu falava, Zé pulou nos braços de Andréia, distraindo-se. Eu ficava aliviado em perceber que ele não se importava com a falta de pessoas no seu aniversário. Mas ao mesmo tempo me preocupava pensando até quando ele se manteria indiferente quanto a isso.

Levantei-me e passei as mãos sobre o paletó, desamassando-o.

A primeira coisa que vi foi Flávia, caminhando em minha direção, Ela vestia uma roupa preta também, justa ao corpo e tinha uma máscara cobrindo os olhos.

— Mulher gato? — Perguntei sobre sua fantasia assim que ela se aproximou o suficiente.

— Miau, eu mesma. — Ela fez garras com os dedos, arranhando o ar e rindo logo em seguida. — Eu queria fada, mas José insistiu, e você sabe como ele é persistente quando quer.

Ela passou por mim, indo até onde estava o filho.

E eu fiquei com a visão que mais esperava naquele dia. Helena caminhava lentamente em nossa direção. O vento batia em seus cabelos que estavam com a parte da frente jogada para trás, presa.

Ela usava um vestido amarelo, simples, até a altura dos joelhos e luvas igualmente amarelas que iam até os cotovelos.

Assim que se aproximou, ela sussurrou.

— Parece que somos um par nesta linda festa. — Ela deu um sorriso que lhe iluminou o rosto todo, fazendo seus olhos diminuírem um pouco.

Ela estava vestida de Bela, em uma roupa mais moderna, mas não tinha como ter dúvidas.

Foi impossível resistir, então também a segui abrindo um leve sorriso e lhe estendi meu braço, para que entrelaçasse o seu. Assim que ela fez, virei-me para os três telespectadores que nos aguardavam.

José começou a bater palmas quando nos viu caminhando elegantemente até sua direção. Flávia e Andréia tinham um sorriso no rosto, como se soubessem de algum segredo em comum.

Provavelmente elas refletiam meu próprio semblante naquele momento.

A Herdeira e a FeraOnde histórias criam vida. Descubra agora