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Aos domingos, em Carolina, passamos o dia com a família ou fazendo algum trabalho extra. Em Angeles, é o dia de fazer recepção para aqueles que visitam o palácio. Mas aqui em Clermont, bom, aqui é o dia da preguiça. As pessoas não fazem absolutamente nada, e eu estou ficando cada vez melhor nisso.
Estou encarando o teto a bastante tempo para perceber que preciso urgentemente mandar pintarem todo o apartamento com cores que me deem um pouco mais de ânimo.

Se não fosse por minhas costas doendo, eu poderia ficar aqui, no tapete, por mais um tempo, mas preciso me encorajar. Preciso levantar, preparar algo para comer, e ligar para minha família, que espera por isso desde sexta feira. Está aí algo que também não me acostumei ainda: agora tenho meu próprio telefone fixo. Os únicos lugares para onde ligo é a casa de mamãe, ou para o apartamento de Celeste, de forma que ainda prefiro me sentar e escrever uma carta, mas May gosta de escutar minha voz.

Andei prometendo que iria contar sobre como está a vida em Clermont, mas a verdade é que não consigo mentir para May, e também não consigo dizer a verdade sobre o quanto as coisas andam ruins. Keena também pede para que eu mande notícias, mas ainda não consigo lidar com as coisas como ela. Com a sua enorme força.
A todo tempo me sinto ingrata e traíra comigo mesma. Hoje tenho tudo que sempre quis. Um bom lar, um bom emprego, e não passo necessidade alguma, mas ainda assim, ando triste. Não quero que minhas irmãs pensem o mesmo. Me martirizar sozinha já é o bastante.

Levanto em um pulo, e tenho que me apoiar no armário de canto até passar a tontura que essa velocidade me trouxe. Quando estou recuperada, começo os trabalhos na cozinha, e uma hora mais tarde, tenho uma comida pronta na mesa, e um caderno de gravura no qual escrevo sobre o que preciso ensinar as crianças.

Se tem algo que gosto em não estar no palácio, é poder preparar minha própria comida. Isso não tem preço.
Encaro a televisão que está desligada desde sexta a noite, quando começaram as perseguições novamente, e crio coragem para ligá-la. Percorro os canais até achar algo bom, mas o programa que está passando acaba rápido, dando lugar a um noticiário de fofocas.

Enquanto lavo a louça, ouço falarem sobre atrizes famosas de Hondurágua, e em seguida, sobre os vestidos elegantes que Kriss Ambers tem usado em seus melhores momentos no castelo. Não adianta, assuntos  sobre o Palácio me perseguem.

"Temos fotografias dela andando pelos jardins, sozinha. O príncipe nunca a acompanha." Diz uma das apresentadoras.

"Na verdade ele não anda a acompanhando em muitas coisas, Kelly, fontes confiáveis passaram a seguinte informação: o príncipe anda ainda mais quieto do que esteve nos últimos meses. Maxon não é o mesmo. Nos jantares formais, está sempre de cabeça baixa, e raramente sorri quando não é obrigado. Kriss anda sofrendo com a falta do futuro marido. Uma criada escutou ela dizendo a Rainha durante um chá que quando estava competindo com outras garotas, tinha mais a atenção dele que agora, que o tem só para ela."

"Quem poderia imaginar que o fim da Seleção resultaria em uma tristeza tão grande para os futuros soberanos de Illéa, não é? Penso que talvez Maxon não tenha se conectado com nenhuma garota, e escolheu a mais razoável para ser sua rainha. Apenas para não acabar com tudo. Concorda?"

"Ou talvez esteja sofrendo por ter mandado a garota errada pra casa."

"Você está falando de... America Singer?"

Com apenas uma clicada no controle, desligo o aparelho novamente. Talvez eu deva desistir de assistir aos canais pagos. Quando mais tento fugir de Maxon, mais ele parece enraizado em meu coração e em meu dia a dia. Meu nome, minha vida e meu futuro estão eternamente ligados a ele, de forma que não consigo controlar, e a comprovação disso veio minutos depois desse pensamento, quando a campainha tocou.

— Senhorita América, isso chegou para você. — Falou o zelador, me entregando uma caixa enorme e pesada.

— Obrigada.

O enorme embrulho rosa salmão carregava um tecido gostoso, do qual eu não identificava. Quando finalmente a coloquei em cima da mesa, pude me tocar do que se tratava. Um envelope creme com o brazão real pendia na parte de cima, com letras douradas escritas pela mais bonita caligrafia:  IMPORTANTE.

Convite oficial da Realeza Illeana.

Maxon Schreave e Kriss Ambers

É com grande honra que informamos através deste, a data oficial que juntará em matrimônio nosso querido filho, Maxon, e a adorável futura princesa de Illéa, Kriss.
Com as nossas bençãos, a cerimônia acontecerá em um mês, e você, querida América Singer, é uma convidada mais que especial.
Pedimos para que venha se hospedar no Palácio Real de Angeles, junto as outras 32 selecionadas restantes, na próxima semana, afim de começarmos os preparativos para a celebração.
Aguardamos você na morada real oficial, na próxima segunda feira.

Atenciosamente,
Rei Clarksson Schreave, e Rainha Amberly Schreave.

Aquele dia chegaria mais cedo ou mais tarde, eu sabia. Só não esperava que fosse tão pouco tempo depois de eu demostrar meu completo fracasso em esquecer tudo que vivi em Angeles, no Jornal Oficial.
Respirei fundo, tomei um copo com água, e voltei para a caixa fechada. Dentro dela, uma enorme torta de morango carregava um outro bilhete:

"Lembro que você gostava deste doce, então mandei que te levassem essa amostra. Percebi sua tristeza no jornal oficial, e preciso admitir que não gosto de te ver assim. Quero sua amizade, América. Quero que sejamos como você era com Marlee na seleção. Venha com o coração aberto para que possamos resolver de vez por todas, qualquer pendência que tenha ficado entre nós, ok?

Kriss."

Se havia algo que eu não esperava, esse era com certeza um bilhete de Kriss, a garota escolhida, diretamente para mim, a garota abandonada. De certa forma, as circunstâncias fizeram com que algo se instalasse dentro de mim. Algo que eu não queria sentir, mas que não conseguia me desfazer. Raiva? Inveja? Não sei exatamente que nome dar, mas sei que é algo que não é tão bom, e voltar ao palácio depois de quase um ano remoendo todo esse sofrimento, bem, certamente não dará certo.

Corri para meu quarto, abri o enorme armário, e encarei por alguns segundos a porta. A porta que carrega todas as lembranças que sofro para esquecer. Tentei não olhar muito para os vestidos e nem para as joias. Fui diretamente para a caixa cheia de papéis guardada nos fundos.
Agarrei o contrato da Seleção, e abri, folheando as páginas feito louca.

Página 6, cláusula 58 - A Selecionada participará de cerimônias e festas oficiais do palácio, mesmo após a sua dispensa, incluindo o casamento real, e a estadia pré nupcial com as outras selecionadas, caso seja da vontade dos monarcas.

Merda!

DEPOIS DE A ESCOLHA: DE VOLTA AO CASTELO.Onde histórias criam vida. Descubra agora