Capítulo 03: Solidão.

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A ventania fraca que se passa entre o tecido velho das cortinas, dá a imagem calma de uma noite umedecida pelos respingos da chuva que se encerrará durante a madrugada. Indo adiante pelos corredores, havia ali em meio à vista embaçada, uma basta silhueta a engatinhar pelo chão molhado. Com um pequeno pano de cozinha, tenta catar os cacos de vidro espalhados pela cerâmica, parecendo contentado a forçar a vista com frequência, diante do breu que se faz instalado pelo arredor do local.

Tinha fome, e disto não podia tirar o direito de seu corpo reclamar.

Achou-se mais esperto que ele ao contentar-se a iludi-lo, na possibilidade de estar o enganando, limitando-se a beber água. A água que se restara no encanamento velho do recinto. Entretanto está sua alternativa controversa já vinha dar-lhe os efeitos fortes, como até mesmo leves espasmos ao apenas levantar um simples copo de vidro. Seu corpo, pela insônia, e a deprimente escassez de nutrientes, claramente está o dando os alertas de que não aguentará mais tanto tempo em tal estado.

A vontade de descarregar uma bala em seu estômago é grande.. porém não se aguenta no fato de que o último soar que ouvira em sua vida, sera o de um disparo. Pensar isto fazia-o se contorcer de raiva, desgosto.

O som que ouvira ecoar, todos os dias, todos os dias durante estes, com certeza, longos e frustrantes... anos? Já não se sabe quanto tempo está a viver encurralado como um rato nesta toca escura e melancólica? É, e triste, sabe, porém mesmo este sendo o som que mais lhe traz amargor este seria, e é o meu primeiro conselho que lhe trago. Recorda-te dos gritos desesperados à tua porta ao ir dormir? A necessidade sempre de pôr um fim rápido a aquele "novo dia", o novo dia que o fizera levar em consideração meus conselhos, para assim, desmaiar pela sua própria incompetência.

Dormir enquanto se ouvia sons, em seu mínimo desagradáveis, era e é algo que vejo que Obito, ainda não anda habituando-se a acostumar de uma vez. Sempre pela manhã, ainda se esquece dos gritos, dos bombardeios.. das pessoas.

É como se ainda não tivesse ficado claro. Ainda não lhe havia caído a ficha, de que o mundo entrou em colapso devido a uma praga catastrófica que matou a maior parte da população. Mas quem sabe, seria real este sentimento, a sensação de choque que sempre a se sobressai por seu corpo a esta afirmativa. Está que vai indo junto ao cheiro dos cadáveres já em estado decomposto dentre as outras portas que avista, mesmo a singela distância de sua varanda.

O odor tóxico dos gases que se exala de tais cadáveres, fazem seus olhos arderem, seu nariz sangrar, a sua mente já desregulada apenas se petrifica cada vez mais a cada palavra que lhe dirijo com maestria e certeza. A certeza que sei que jamais terá.

Tentar ignorar minhas palavras, aparentemente é uma opção para você. Não tem o mínimo de coragem de sair e lutar em conjunto dos outros sobreviventes, que estes sim, em sua é minha humilde opinião merecem o privilégio de estarem vivos.

[...]

"Argh"!- Pressionado. Levo de meus pensamentos um choque de realidade, o que me anda fazendo perder-me do real. Estremeço-me enquanto sinto adentrar mais fundo a fagulha fina entre meus dedos. Cortei-me com o vidro.

Liberto de alarmes rigorosos após o encontro de meu toque, ao afiado dos cacos, olho novamente a impressão do sobreviver. Que a partir de agora é uma questão de instinto, coragem e sorte.. coisas estas que resumem brevemente tudo o que não sou, ou que um dia estaria no alcance de me tornar. Minhas questões pendentes se resumem em como suportar mais um dia, mais uma noite, mais uma hora. Tendo de viver com estas, estas coisas? Eu não tenho mais convívio com outro ser, além de minha própria pessoa, e ainda assim, estou a perder para mim mesmo neste joguinho em onde se a mais da razão - Ou sanidade.

Eu sei, eu sei, eu sei!- Sei o que tenho de fazer, eu sei para onde ir... Apenas, não me resta força de vontade. -Não quero morrer, mas sou inútil.- Minha morte neste "mundo novo" é ainda mais insignificante do que já seria antes.

E vendo por esse lado, me forço a erguer-me novamente. Me arrisco ao máximo fazer com que minha pele adoentada se premse contra o vidro grosso entre meus dedos. Fecho o que pude de minha palma, em um punho, me trazendo uma agonia, ardência, um molhar quente se escorre até meu cotovelo, o que de início não me incomoda, já que pudera trazer uma sensação rasa de alívio. - Dói, mas, mais que meu estômago.

[...]

Ando me achando só novamente a perguntar; "A quanto tempo que eu não tinha sentido na pele como é estar aqui fora, novamente?"..

Recuo um pouco com meus passos, meu olhar cabisbaixo se ergue ao sangue seco do corrimão, o cheiro de ferrugem apenas se intensifica, cada vez mais impregnado no ar. Firme, aperto receoso o ferro das escadas que me sustentava a ficar de pé, com cautela, dirijo meus pés a cada degrau das escadas, seguindo com o que ainda pusera a chamar de nitido, para o olhar de semblante desconhecido por mim. Hesito os olhos sujos que vinham a me prender com episódios marcados em minha mente. Fixados, como uma tatuagem em minha carne viva, estás memórias, elas jamais sairão.

O piso quebrado pós a quebrar-se ao sentir meu peso. Fora minha última ação de certeza por fim, depois de tanto tempo, me ver sendo deparado com minha carne disputada diante de meus olhos.

A estes que se assemelham a mim, no tanto da certeza que havia em meus atos.

Recordo de flash's diante do tumulto, forçavam-de a empurrar-se uns nos outros, mesmo que as prensas contra suas carcaças os fizesse se conter no mesmo lugar... nem isto os fazia parar de se comportar de tal maneira.

Os grunhidos à minha volta, por fim me fizeram a tomada atenção do que havia à minha frente. O caminho livre, a vista das correntes grossas amarradas contra a porta de entrada, uma luz saindo entre seu meio deixava claro o meu reencontro ao exterior de minha prisão.

Morrer não é uma opção. - É a realidade.

Penso contra mim mesmo, enquanto em passos lentos, contenho-me em mente a certeza de minha decisão. A espera me trará a morte de qualquer forma. Tentar, também vai me matar, mais isto não quer dizer que eu tenha outro destino. Não é?

O espaço dentre as correntes, visava a esperança enquanto o gatilho em mãos, se encontra enganchado, entre o suor, e o curativo mal improvisado no meio de meus dedos longos.

Com minhas mãos juntas, apontadas para baixo, não me interessa mais a possibilidade de voltar, a mochila de ombro amarrada entre minha cintura e peito, fazem um som metálico ao me movimentar. Senti o sol queimar forte em minha pele enquanto via as gotas ainda a respingar dos assoalhos como os de minha janela. Mas, uma sensação vinha me trazer algo a mais, era diferente. Me sentia solto.. livre?

Dou o primeiro passo do lugar onde me destruíram e me mantive em cárcere durante tanto tempo..

Só mais um dia..- A fala se saí decaída, quero falar. Diante de tudo o que se passa em minha mente, tudo o que desejo encontrar, o que quero, para onde vou, dentre todas estás questões, não tive capacidade de ditar algo que as respondesse até agora.

Eu ainda estou vivo. Eu quero estar vivo.- por favor...

Estou Vivo.Onde histórias criam vida. Descubra agora