Cartas

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“ Querida Elise,
Espero que estejas bem, a oeste nada de novo.
Ontem transferiram-me para outro país, eu ainda não tinha sequer arrumado os casacos no roupeiro do hotel e já me estavam a ligar para arrumar tudo e, acredita, isso é muito Irritante. Pelo menos disseram-me que  vou deixar o deserto.
Hoje é o teu aniversário, desculpa não estar presente, minha querida, acredita que é aquilo que eu mais queria no mundo, mas estou a mais de mil quilómetros de casa. Adoro-te muito e espero que gostes da prenda que te enviei. Sim, foi a Francesca que escolheu. A Francesca é a minha nova assistente e correspondente em Paris, o número de telefone dela está no subscrito, qualquer coisa liga-lhe.
Ontem estive a ler as cartas que me enviaste, estou orgulhoso de ti, mas tens de melhorar a História para te darem a bolsa. Queres saber uma coisa? Eu também odiava História, mas tenho a certeza absoluta que vais fazer coisas incríveis no futuro.
Espero estar mais presente e, por favor, continua a enviar a correspondência para a Francesca, ela consegue enviar-me o correio.
Um grande beijo do teu pai,
Jake Donfort :)

P. S. Se não gostares da camisola, a Francesca ainda deve ter o talão. Amo-te muito, ursinho.”

A última carta que o Sr Jake Donfort me enviou, dia 27 de Janeiro, como a pilha de cartas amarradas com uma guita, todas enviadas no dia 27 de cada mês, nem um dia a mais, nem um dia a menos.
O número de telefone da Francesca nunca foi utilizado, qual seria a sua definição de "qualquer coisa que eu precise"? Um pai menos ausente era bom, mas não era possível.
Olhei para o calendário pendurado na parede, faltavam 3 dias para receber a próxima carta: a última, de Janeiro, vinha com uma camisola de malha e um postal da Somália, ele odeia o calor mais do que tudo no mundo.
Dia 24 de Fevereiro. Faltam 2 dias e 5 minutos para receber a próxima carta, ele quer que a nossa relação seja o mais longe do trabalho possivel, o que é difícil porque ele é engenheiro informático e isso corta todo o contacto via Internet.
Peguei no telemóvel e tentei ligar à rede do prédio novo, um apartamento barato nos arredores de Paris que conseguiu por uma ninharia, um lugar anónimo como ele gostava. Neutro, anónimo, vazio.
Liguei-me à rede do prédio do lado, truques aprendidos no meio de um raro jantar num restaurante chinês sobrelotado e com vozes por cima das minhas e das dele com sessões de risos à mistura. Ele gostava de tudo o que fosse prático : comida chinesa encaixa nisso.
Mas eu não o podia julgar… era irritante, mas não podia julgar um pai solteiro, cuja companheira morreu quando eu mal conseguia falar. Ele diz que temos os mesmos olhos grandes e brilhantes,“olhos de vidro” como ele gosta de dizer.
Quando era mais nova o meu pai contratava algumas governantas para dar um jeito, todas elas tinham uma grande estima pelo sr Donfort e nenhuma me desapontou, vantagens dele ser um tipo meticuloso. A última foi a Janina, o meu pai ofereceu-se para pagar a fiança do filho que tinha ido para a prisão injustamente.
Dobrei a carta e juntei-a à pilha de cartas que me enchia a escrivaninha e quase bloqueava o ecrã do meu computador, sem falar nos livros espalhados ao acaso. Mês passado fiz 21 anos, demasiado nova, diria ele. Sim. Demasiado nova para seguir num comboio sem destino para uma terra que eu nem conhecia, perdida no meio de uma floresta no meio de uma tempestade.

Querida Elise - Duskwood FanficOnde histórias criam vida. Descubra agora